Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 96-133, Jan.-Mar. 2021 99 re com o chamado bem de família suntuoso. Embora haja quem sustente tratar-se de matéria insuscetível a mudanças, estudiosos vêm levantando com frequência discussões acerca dos limites im- postos pela lei. Entende-se que a impenhorabilidade interpretada de maneira cega e absoluta pode acabar gerando anacronismos funcionais, discrepantes à lógica complexa do ordenamento jurí- dico. Levanta-se, assim, hodierna preocupação com sua real fun- ção e as consequências práticas que daí advém, com fins de se garantir sua interpretação conforme a Constituição da República. Nesse cenário, busca-se identificar criticamente os pilares que cimentam a matéria, para que se passe à análise de questões concretas, notadamente àquela atinente ao bem de família lu- xuoso, com o devido embasamento nos alicerces constitucionais. Propõe-se, então, exame do reconhecidamente delicado bem de família suntuoso, assíduo na prática dos tribunais brasileiros, tendo em mira importantes técnicas de interpretação, como a ra- zoabilidade, para que se possa chegar à melhor solução possível, averiguando-se o merecimento de tutela das situações concretas. 2. CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO BEMDE FAMÍLIA Importante conquista das codificações modernas, o prin- cípio da responsabilidade patrimonial em sede obrigacional su- jeita os bens do devedor às consequências do inadimplemento (PINHEIRO; ISAGUIRRE, 2007, p. 131). Com fins de proteção ao interesse privado do particular que tem crédito a receber, a responsabilidade patrimonial garante, através da intervenção do Estado, a possibilidade de execução dos bens do devedor para satisfação da prestação devida. Para tanto, é possível que haja a constrição judicial do patrimônio do devedor, que pode vir a ter penhorados tantos bens seus quanto seja necessário, apreenden- do-os efetivamente e destinando-os aos fins da execução para expropriação futura. 2 2 Acerca do procedimento de penhora, leciona Humberto Theodoro Júnior: “É a penhora, ad instar da declaração de utilidade pública, o primeiro ato por meio do qual o Estado põe em prática o processo de expropriação executiva. (...) É, em síntese, o primeiro ato executivo e coativo do processo de execução por quantia certa. Com esse ato inicial de expropriação, a responsabilidade patrimonial, que era genérica até então, sofre um processo de individualização, mediante apreensão física, direta ou indireta, de uma parte determinada e específica do patrimônio do devedor.” (THEODORO JÚNIOR, 2013, p. 279)
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