Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 68-80, Jan.-Mar. 2021  79 atenção e do tempo dos utilizadores que envolvem um afunila- mento daquilo que lhes é mostrado na rede para conteúdos que vão ao encontro das suas predisposições ( confirmation bias ). Os utilizadores como que ficam presos numa bolha, na qual se pro- duz o chamado efeito de câmara de eco ( echo chamber effect ). Nessa bolha, não entram conteúdos que possam contrariar a sua mun- divisão ( counter-speech ); pelo contrário, só são admitidos aqueles que a alimentem e intensifiquem, já que são esses conteúdos que maior potencialidade terão para “agarrar” os utilizadores e fazê -los passar mais tempo em frente ao ecrã. Tudo isso é um terreno obviamente fértil para que o discurso de ódio germine e cresça. E são as empresas tecnológicas que o vêm criando. Colocá-las na linha da frente do chamado combate ao discurso não parece mui- to diferente do que pedir à raposa para guardar o galinheiro… 8. Aqui chegados, poderia pensar-se que a consequência lógica dessa análise seria a da oposição à adopção de uma via criminalizadora para enfrentar o discurso de ódio. Não vou tão longe. Há boas razões que justificam e legitimam a proibição cri- minal de discursos de apelo à discriminação e à violência e de aviltamento de cariz discriminatório. E são elas que vêm sendo tidas em conta por numerosos Estados europeus, incluindo o português, para enfrentar o discurso de ódio num plano penal. Entre nós, haverá que fundamentalmente ter em conta o já refe- rido crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, previsto no artigo 240.º do CP, que faz par com disposições in- criminatórias similares que encontramos nos Códigos Penais de países como Espanha, Itália ou Alemanha. Tanto a paz pública como a igualdade de oportunidades e de tratamento poderão, isolada ou conjugadamente, consti- tuir base suficiente para legitimar incriminações dessa natureza. Ponto é que a aplicação desses tipos incriminadores seja reserva- da para casos em que o comportamento discriminatório seja um tal que ameace a consideração do grupo visado como um gru- po digno de viver em sociedade num plano de igualdade com os demais, assim pondo em causa o estatuto das pessoas que o integram como membros de corpo inteiro da comunidade, que

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