Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 68-80, Jan.-Mar. 2021 77 discurso discriminatório, agressivo ou mesmo extremista para expressar o seu descontentamento e para chamar a atenção para os seus problemas 14 . Recorrer ao direito penal para reagir a esse tipo de discurso, proibindo-o, poderá ser mesmo contraprodu- cente, já que agudizará o sentimento de exclusão e poderá ter até um efeito de recrudescimento do extremismo, que costuma andar de mãos dadas com um discurso discriminatório. b) Um segundo plano onde podem intuir-se dificuldades é o da observância da exigência de determinabilidade dos tipos penais imposta pelo princípio da legalidade criminal. Como se viu, o discurso de ódio pode assumir numerosas facetas e as suas for- mas de manifestação poderão assumir uma enorme plasticidade. Porque assim é, as disposições incriminatórias do discurso de ódio terão inevitavelmente de assumir um conteúdo típico, tam- bém ele suficiente aberto para terem a maleabilidade necessária a conseguirem abarcar os comportamentos discriminatórios ti- dos como de tal forma intoleráveis que carecerão de uma inter- venção penal. Com isso, corre-se, porém, o risco de criar tipos in- criminadores ambíguos, insusceptíveis de fornecer uma linha de orientação precisa aos cidadãos e potenciadores de acções penais persecutórias e arbitrárias. O que pode ser tanto mais preocu- pante quanto maior for a amplitude geográfica do facto: aquilo que é escrito ou exibido na internet e nas redes sociais tem um alcance difuso, que tende a transcender as fronteiras do Estado onde o agente manifesta a sua posição. c) A censura penal do discurso de ódio suscita ainda apreensão em virtude da sua potencialidade para erodir um dos postulados basilares do sistema penal, o de que o Estado é o ti- tular único e exclusivo do jus puniendi criminal. Com efeito, nos casos de difusão online , a eliminação e repressão do discurso de ódio penalmente relevante constitui uma missão que é assumida conjuntamente pelos Estados e pelas grandes empresas tecnoló- gicas. Ora, são essas empresas, e não o Estado, que estão na linha da frente do enforcement da criminalização do discurso de ódio. 14 M axime L epoutre , “Hate speech in public discourse: a pessimistic defense of counterspeech”, Social Theory and Practice , vol. 43, n.º 4, 2017, p. 859 e s.
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