Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 68-80, Jan.-Mar. 2021  74 O próprio conceito de discurso de ódio é sumamente ambí- guo. Característica que advém do carácter vago e multifacetado da ideia de ódio. O que é o ódio? Contra quem deverá ele mani- festar-se? Com que motivos? De que forma? Com que consequ- ências? Essas questões e inquietações que emergem naturalmente quando nos aproximamos ao tema acabam por reflectir-se numa dificuldade de apreensão dos seus limites: não raro, está longe de ser seguro que uma dada situação possa ser tratada como um caso de discurso de ódio. A compreensão, digamos assim, ene- voada do discurso de ódio gera um frequente estado de dúvida. Será de reconhecer a existência de consenso quanto à qualifi- cação como discurso de ódio demanifestações racistas, xenófobas, homofóbicas, etc. incitadoras da violência e/ou da discriminação contra o grupo visado. Consenso que, como se viu, estende-se à legitimidade da proibição penal de actos dessa natureza. A partir daí reina a incerteza. Não parece que devam merecer a designação de discurso de ódio actos de incitamento público ou de apologia pública do terrorismo ou de outras formas de violência ou criminalidade desprovidos de uma conotação discriminatória . Não pretendo com isso significar que comportamentos dessa natureza devam ficar imunes a uma intervenção penal 12 , mas antes que lhes deverá ser dada uma resposta sancionatória autónoma e de conteúdo distinto da que é reservada aos verdadeiros casos de discurso de ódio, aqueles que são marcados por um vezo discriminatório. Já serão, em princípio, de tomar como discursos de ódio as manifestações de carácter discriminatório de menorização ou achincalhamento de um grupo social ou de uma pessoa perten- cente a esse grupo em função dessa pertença. Estou a pensar, no- meadamente, nos casos em que grupos de pessoas são tratados como não humanos, sendo, por exemplo, equiparados, de forma mais ou menos explícita, a animais ou a vermes; são qualificados como um grupo inferior ou como um povo pária; são alvos de apelos a uma exclusão da sociedade; são expostos a símbolos ou 12 Cf. N uno B randão /A ntónio M iguel V eiga , in: JoséManuelAroso Linhares /Maria JoãoAntunes (Coord.), Terrorismo: Legislação Comentada, Textos Doutrinais , Instituto Jurídico, 2019, Art. 4.º, §§ 26 e ss. e 167 e ss.

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