Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 68-80, Jan.-Mar. 2021 70 trumentalizado por regimes autoritários para perseguir e punir nem mais nem menos do que certas minorias, vozes críticas ou dissidentes, justamente as pessoas que se pretende proteger com a figura do discurso de ódio. Não causa, por isso, espanto a existência de uma grande diversidade de abordagens ao fenómeno do discurso de ódio, tanto, naturalmente, ao nível dos Estados como também, inclu- sive, de instituições internacionais. Procurarei assinalar as for- mas substancialmente distintas como o problema é enfrentado e tratado no plano da Organização das Nações Unidas e no plano europeu, designadamente, na jurisprudência do Tribunal Euro- peu dos Direitos Humanos e das iniciativas da União Europeia. O fulcro da questão está na amplitude e nos limites a reconhecer ao direito à liberdade de expressão . II – O PANORAMA INTERNACIONAL 3. As Nações Unidas adoptam uma aproximação cautelosa, de admissão da limitação da expressão de um discurso de ódio cir- cunscrita aos casos de apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que consubstancie um incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência . A fonte legitimadora dessa restrição ao direito à liberdade de expressão é o artigo 20.º, n.º 2, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, segundo o qual “toda a apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discri- minação, à hostilidade ou à violência será proibida por lei”. Acei- ta-se, assim, que não se possa prevalecer do direito à liberdade de expressão quem dissemine um discurso de ódio que envolva um incitamento à discriminação e à violência. Mas é esse tam- bém o único caso em que se admite como válida a proibição e o sancionamento do discurso de ódio 3 . Uma posição que se assenta na ideia do primado da liberdade de expressão e é em boa me- dida justificada pelo receio de que os Estados abusem de dispo- sições sancionatórias para calar e perseguir vozes incómodas, a 3 United Nations, Special Rapporteur Frank la Rue, “Report of the Special Rapporteur on the promotion and protec- tion of the right to freedom of opinion and expression” (A/67/357), 2012, 43.: “As such, advocacy of hatred on the basis of national, racial or religious grounds is not an offence in itself”.
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