Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 45-67, Jan.-Mar. 2021 57 4. A SUSCEPTIBILIDADE DE LESÃO: OS BENS PROTEGIDOS Apesar da confusão e intersecção com os conceitos de direi- to à honra, à imagem, à reputação e ao bom nome, a proteção po- liforme da vida privada tende a proteger a paz e a tranquilidade da vida pessoal e familiar e, por consequência, a liberdade, e não deve ser confundida com a protecção de interesses inspirados em fim diferente. 4.1. Em geral, a proteção poliforme da vida privada A protecção da vida privada visa a garantir instrumental- mente a liberdade de cada um se determinar a si próprio num “espaço vital” ao abrigo da indiscrição alheia. Mas a ideia de sociedade transparente leva a perguntar qual pode ser actualmente o conteúdo último do right to be let alone destacado por Samuel Warren e Louis Brandeis. 39 De facto, se em 1890 Brandeis definia esse direito como the most valued by civilized , algumas décadas depois, mesmo se a formulação parece ainda exprimir uma evidente sensatez, é cada vez mais difícil de perceber como poderá esse “direito” ser assegurado na sua tota- lidade 40 . Não parece que possa, ao menos aprioristicamente, fa- zer-se uma enumeração completa e indiscutível desse conteúdo, nem o legislador teve essa pretensão, utilizando uma cláusula geral e afastando qualquer tipo de taxatividade 41 . A noção integra o direito de se opor às ingerências de ou- trem, mas não ficam por aqui as possibilidades de enriquecimen- to do conceito, a pressupor elaboração doutrinal e jurispruden- ponsabilidade civil pelos conteúdos ilícitos…, op.cit., p.80, admite no entanto que “[O] Decreto-lei não estipula em que situações o pedido ou a satisfação do mesmo deve ser cumprido, mas, em nosso entender, de acordo com o supra exposto, apenas será legítimo à entidade competente solicitar tais informações quando tiver fundadas suspeitas de que o utilizador em causa praticou um acto ilícito, sob pena de violação do direito ao anonimato.” 39 Para desenvolvimento, veja-se S amuel W arren e L ouis B randeis , “The Right to Privacy”, Harvard Law Review, V. IV, n.º. 5, 1890, pp. 193 ss. 40 L uísa N eto , Novos Direitos – ou novos objectos para o Direito?, Porto: Editora Universidade do Porto, 2010, Capítulo IV, pp. 65 ss. 41 Nesse sentido, veja-se a doutrina expendida nos Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º s 120/80, 17/83 e 92/91. No que tange ao recorte constitucional do direito à pri- vacidade, veja-se por todos Paulo Mota Pinto, “A protecção da vida privada no Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional , n.º 10, Abril-Junho 2006.
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