Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 45-67, Jan.-Mar. 2021  46 Declarou em tempos Pierre Bourdieu que “ [L]’opinion pu- blique n’existe pas ” 2 , na alusão à opinião pública e impessoal como forma discursiva efémera. Parece-nos que nunca tal asserção foi tão verdadeira como no contexto da web 2.0 3 . De facto, e como afirmou Hillary Clinton na Washington University em 15 de fevereiro de 2011 4 : “The Internet has become the public space of the 21 st century – the world’s town square, classroom, marketplace, coffee- house, and nightclub”. Sabemos que o ambiente de Estado de Direito democrático reclama um contexto de transparência tão bem sintetizado por Da- vid Brin no título da sua obra de 1998 5 . Nesse sentido, as matérias atinentes à sociedade de informação suscitam o interesse da co- munidade em geral e integram os “fundamentais do Estado”, por serem hoje pedra de toque do discurso democrático e da constru- ção de uma sociedade formal e materialmente inclusiva, colocan- do desafios importantes quanto ao próprio desenho do que sejam as tradicionalmente entendidas divisão e separação de poderes. Assim, a actual ágora ou o espaço público moderno deli- neado por Habermas 6 apresenta necessidades e condicionantes diferentes, numa tentativa de sopesagem de tendências de desre- gulamentação, privatização e liberalização e num duplo sentido, complementar, de mundialização e localização. 2 L’opinion publique n’existe pas , in Questions de Sociologie, Paris : Minuit, 1984. Veja-se ainda D ominique R eynié , Le triomphe de l’opinion publique , Paris : O. Jacob, 1998. 3 Para tratamento aturado das questões aqui pressupostas, vejam-se, por todos, J oão F achana , A respon- sabilidade civil pelos conteúdos ilícitos colocados e difundidos na Internet, Coimbra: Almedina, 2012 e J oão R ai - mundo , Uma nova frente da protecção de dados pessoais: a (im)possibilidade de assegurar um eventual direito ao esquecimento, Dissertação do Mestrado em Direito (Ciências Jurídico-Políticas), Porto: FDUP, 2012. 4 H illary C linton , “Internet Rights and Wrongs: Choices & Challenges in a Networked World”, George Washington University, 15 de Fevereiro 2011, disponível em https://2009-2017.state.gov/ secretary/20092013clinton/rm/2011/02/156619.htm 5 D avid B rin , The Transparent Society, Boston: Addison Wesley, 1998. 6 J. H abermas , L’Espace Public, Archéologie de la publicité comme dimension constitutive de la société bourgeoise , Paris: Payot, 1978 (ed. orig., 1962)/ J urgen H abermas , Mudança Estrutural da Esfera Pública , Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. Em termos de actualização, vejam-se por todos, C ândido M onzón , Opinión Pública, Comunicación y Política, Madrid: Tecnos, 1996, J ames C urran , “Rethinking mass communication”, in James Curran, David Morley e Valerie Walkerdine (eds), Cultural Studies and Communications, Londres: Arnold, 1996 e N. F raser , “Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democra- cy”, in C. C alhoun (ed), P eter D ahlgren (ed), Communication and citizenship: Journalism and the public sphere , London and NY: Routledge, 1997 (reprint). Veja-se ainda P aulo F erreira da C unha , “Sociedade da Informação e Estado de Direito Democrático, Direito à Informação ou deveres de protecção informativa do Estado” , Revista da FDUP, Edição comemorativa dos dez anos da FDUP, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, pp. 623-651, em especial quanto aos conceitos de “comunicação hierarquizada” e “comunicação reticular”.

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