Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
31 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 9-34, Jan.-Mar. 2021 com o casamento, que, mais do que a expressão de uma men- sagem, é um ato praticado com o propósito de gerar os efeitos civis decorrentes do matrimônio. Nesses e em tantos outros ca- sos, as manifestações, a despeito de virem expressas em palavras ou outra forma linguística, são consideradas ação ou conduta não discursiva . Por isso, não se referem ao princípio da liberdade de expressão. Quando forem lícitos, se referirão a liberdades outras, como a liberdade de contrair matrimônio, no último exemplo. Quando ilícitos, como no caso do crime de ameaça, estarão fora do abrigo do princípio garantidor da liberdade de expressão. Essa diferença é de suma importância para, no contexto do chamado discurso de ódio, separar as manifestações que devem ser tidas como expressão – protegidas, portanto, pelo princípio que protege a manifestação de pensamento – daquelas que cons- tituem verdadeira ação danosa – e que, por isso, se encontram fora do âmbito de proteção do princípio. Essa distinção entre expressão e ação ou entre conduta dis- cursiva e não discursiva se relaciona intimamente com o princípio do dano 32 , que traz aporte fundamental para o estudo dos limites da liberdade de expressão. Segundo Stuart Mill, a quem se deve a elaboração deste princípio, “o único fim em função do qual o Poder pode ser corretamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é o de pre- venir dano a outros” 33 . A ideia de que uma manifestação caracterizada como dis- curso de ódio seja protegida pelo princípio garantidor da liberda- de de expressão parte da premissa de que esse discurso somente pode ser restringido nos casos em que violar ou tiver o propósi- to de violar direitos de terceiros. Em outras palavras, a vedação legal só pode incidir nos casos de discurso de ódio extremo , que é aquele em que o emissor incita à violência ou à violação de direi- tos de membros de um grupo. Não é suficiente que a manifestação discriminatória seja simplesmente reputada ofensiva, desagradável, repugnante ou 32 Sobre o conceito de liberdade e o princípio do dano em Stuart Mill, veja-se o Capítulo 1, item 1.2. 33 J ohn S tuart M ill , Sobre a liberdade , cit., p. 39.
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