Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 246-266, Jan.-Mar. 2021 261 de acordo com o art. 206, prevê que a saúde é dever do Estado, a qual deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas. OMinistro Relator Edson Fachin entendeu que o art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde e o art. 25, XXX, “d”, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 34/2014 da Anvisa partem da concepção de que a exposição a um maior contágio de enfermidades é inerente a homens homossexuais e o Direito estava sendo utilitarista por recair em um cálculo de custo e benefício que viola direitos fundamentais de minorias para maximizar os interes- ses de uma maioria, valendo-se do preconceito e da discriminação. O resultado dessa ação direta de inconstitucionalidade trouxe igualdade aos homossexuais, uma vez que não há motivo para discriminar a relação homem com homem se não se dis- crimina a relação entre homem e mulher. Perceba o teor discri- minatório: mesmo em um casamento heterossexual e fiel, pode haver a prática de sexo anal, e a lei não impede essa mulher de doar sangue. Em outras palavras, a mesma prática sexual não é condenada ao homem e mulher heterossexual, mas sim ao ho- mossexual, que se via impedido de ajudar alguém por meio do ato solidário da doação de sangue. Lembrando que doenças sexualmente transmissíveis não são passadas apenas pelo coito anal, uma vez que até mesmo sexo oral desprotegido pode ser uma fonte de doenças venéreas. Logo, o conteúdo da norma era discriminatório. Pereira (2018, p. 32) ensina que “a moral e o Direito mudam quando muda his- toricamente o conteúdo de sua função social (isto é, quando se opera uma mudança radical no sistema político-social).” O Relator Ministro Edson Fachin, em seu voto, mencionou a aversão exagerada à alteridade, ainda presente na sociedade brasileira, que leva, muitas vezes, “tristemente bem-sucedidas de sua aniquilação existencial, impedindo-se de ser quem se é.” Assim, o Ministro Edson Fachin concluiu que era necessá- rio desconstruir o direito posto, a fim de trazer à tona uma justi- ça que garantisse a dignidade e a igualdade, concretizando uma dogmática constitucional emancipatória. (STF, ADI 5.543)
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