Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 246-266, Jan.-Mar. 2021  252 AIDS se espalhasse de modo mais acelerado, uma vez que os heterossexuais demoraram a se conscientizar da importância do sexo seguro. Em 1985, a transmissão do vírus da AIDS representava em torno de 70% das notificações de HIV no Brasil, e era inexistente ou muito limitado o controle de qualidade do sangue dos hemo- centros e bancos de coleta públicos e privados. Por esse motivo, mesmo não havendo uma portaria do Ministério da Saúde que impedisse a doação de sangue, havia Secretarias Estaduais de Saúde que não aceitavamo sangue dos homossexuais. Reis (2020) explica que mesmo com as denúncias recebidas pelo Grupo Gay da Bahia por parte dos gays que tiveram seu sangue recusado, durante dez anos, por causa do contexto da época, a entidade entendeu que era “razoável essa exclusão, por ser dominante na época, tanto no meio científico quanto nos órgãos de prevenção, a ideia de existência de grupos de risco”. O Grupo Gay da Bahia, então, julgou que, pelo bem-estar geral da população, essa exclu- são não feria gravemente os direitos dos cidadãos pertencentes às minorias sexuais. Castells (2018, p. 338) conta que um dos esforços mais re- levantes da comunidade gay foi a batalha cultural para desmis- tificar a AIDS e convencer o mundo de que a doença não era causada pela homossexualidade. “O contato, inclusive o contato sexual, é que seria o mensageiro da morte, não a homossexuali- dade.” A batalha em diversos países contra o estigma da AIDS sobre os homossexuais teve como vitória trazer ao mundo a ca- pacidade de ver a epidemia em termos de vírus, não em termos de preconceitos e pesadelos. Chegamos muito perto, em todo o mundo, de considerar a AIDS como um merecido castigo divino contra a Nova So- doma, o que nos teria impedido de tomar as medidas neces- sárias para evitar uma disseminação ainda mais ampla da doença até que fosse tarde demais para controlá-la. O fato de não termos chegado a esse ponto, de as sociedades terem compreendido em tempo que a AIDS não era uma doença ho- mossexual e que toda a sociedade precisava lutar contra suas

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