Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 246-266, Jan.-Mar. 2021  251 Brito e Rosa (2018, p. 757) explicam que, devido ao vazio deixado pelas ciências e pesquisas a respeito da AIDS, permi- tiram que diversas instituições discursassem sobre o assunto, ainda que de forma equivocada, tais como Estado e Igreja, esta- belecendo uma rede de poder sobre o assunto. Amídia reforçava o quão ruim era a doença, uma vez que as notícias de revistas e jornais propagavam os preconceitos em momentos cotidianos, o que foi considerado pelo autor como parte de um modelo abusi- vo e pejorativo de buscar fazer com que o aidético se acreditasse como alguém anormal. A medicina contém o saber para autentificar se um sujeito é normal ou não, o saber de definir o que os indivíduos podem comer. E, como detentora da sabedoria, tem o poder de inter- vir na vida da sociedade e de ditar o que é certo e errado. Isso explica por que a AIDS, nos primeiros discursos produzidos a respeito, havia sido rotulada de “câncer gay”, uma vez que a comunidade homoafetiva constituía seus primeiros porta- dores. E a Igreja, por sua vez, também detentora do saber re- ligioso, detinha o poder em relação aos seus fiéis, de forma que um grande número de seguidores difundia, naturalizava e autorizava o discurso relativo à AIDS como um castigo de Deus. (ROSA; BRITO, 2018, p. 776) Na década de 80, pairava a preocupação em torno da janela imunológica, também conhecida como janela silenciosa, que “é o período posterior à infecção, no qual os exames laboratoriais ainda não detectam o vírus no material sanguíneo coletado.” As- sim, em nome do desconhecimento científico referente à AIDS, foi proibida a doação de sangue por parte de diversos setores sociais, dentre eles, dos homens homossexuais e, no Brasil, em 1993, por meio da Portaria nº 1366, proibindo, pela primeira vez na história brasileira, a doação de sangue por parte destes ho- mens. (PETIÇÃO INICIAL DAADI 5.543) De acordo com a Associação Brasileira de Famílias Homo- afetivas (ABRAFH), a estigmatização que os médicos colocaram sobre os gays fez com que a população heterossexual acreditasse que não fazia parte do grupo de risco, o que possibilitou que a

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