Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 9-34, Jan.-Mar. 2021 24 preconceituoso, não é razoável associar um efeito silenciador a toda e qualquer manifestação discriminatória, como se se tratas- se de uma decorrência necessária de todos os discursos desse tipo, em qualquer tempo e lugar. Esse efeito constitui fenômeno circunstancial, presente em contextos de tempo e lugar específicos, onde haja um histórico de sérios conflitos sociais, permeados de preconceito e discrimi- nação contra determinado grupo, cujos membros pudessem, por ocasião do discurso, se sentir intimidados e tolhidos em sua li- berdade de expressão. 9. ALGUNS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À RESTRIÇÃO DO HATE SPEECH Há alguns bons argumentos no sentido do desacerto ou da inconveniência de buscar combater o discurso de ódio através da lei. Aqueles que defendem essas razões reconhecem que o discur- so de ódio é um problema sério e que deve ser enfrentado, mas entendem que o combate a essa forma de discurso não se dá com menos liberdade de expressão, mas com mais liberdade. O mau discurso se combate com o bom discurso. Por isso, as más ideias não devem ser silenciadas, mas confrontadas com as boas ideias. Dentre os principais argumentos contrários à restrição do hate speech estão os seguintes. Nega a autonomia e a responsabilidade moral dos cidadãos. A liberdade de expressão tem uma dimensão constitutiva, que a torna valiosa, independentemente de qualquer benefício que ela possa trazer: ela é essencial para a autonomia e a dignidade indi- vidual. Ronald Dworkin argumenta que o traço característico de uma sociedade política justa é o tratamento, pelo Estado, de to- dos os cidadãos adultos (com exceção dos incapazes) como agen- tes morais responsáveis 22 . Por isso, o Estado nega a autonomia ou capacidade de seus cidadãos, violando-lhes a dignidade, quando considera, de um lado, que eles não têm responsabilidade moral suficiente para ouvir determinadas opiniões, ao fundamento de 22 R onald D workin , O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição Norte-Americana (tradução de Mar- celo Brandão Cipolla), Coleção Justiça e Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 319.
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