Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

21  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 9-34, Jan.-Mar. 2021  discurso de ódio, em si considerado, independentemente das cir- cunstâncias concretas, a ideia de violação da dignidade humana ou da igualdade é sugerir como real algo que pode não existir na prática, mas apenas no plano meramente simbólico ou retórico. É despido de valor social intrínseco . Argumentam que expres- sões de racismo, antissemitismo, homofobia e outras formas de discurso discriminatório nada acrescentam para a sociedade. Ao contrário, por serem fundadas em preconceitos negativos, de- rivados da ignorância ou da intolerância, não contribuem para o descobrimento da verdade, nem para o debate público, cons- tituindo, na verdade uma manifestação inconveniente ou uma perturbação para o mercado de ideias. Sucede que a falta de valor social de uma manifestação não constitui, em si, justificativa para a sua restrição. Uma expressão não tem que ser socialmente útil ou valiosa para merecer prote- ção constitucional. A liberdade de expressão não foi instituída para, seletivamente, assegurar as expressões ou manifestações que possam ser consideradas úteis ou socialmente valiosas. Se a utilidade ou o valor social de uma manifestação fosse a medida de sua proteção constitucional, muito provavelmente viveríamos em uma sociedade na qual a comunicação se tornaria extrema- mente dificultosa ou, mesmo, insuportável. Além disso, traz o risco da criação de uma sociedade pas- teurizada, em que a censura ou a autocensura é a tônica, com previsíveis prejuízos não só para o desenvolvimento do indiví- duo, mas da sociedade como um todo. A tentativa de criar, arti- ficialmente, via interdição legal, um ecossistema comunicativo livre de preconceito e de discriminação tende, paradoxalmente que possa parecer, a afetar negativamente esse ecossistema, por- que empobrece o discurso público. Além de não ser justificável a restrição fundada na falta de valor social do discurso preconceituoso, pode-se, mesmo, ques- tionar a premissa de que essa forma de discurso é desprovida de valor social. Isso porque, ainda que indiretamente, o discurso discriminatório revela e traz à tona o problema do preconceito e

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