Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
181 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021 polos ativo e passivo, quais sejam “masculino-homem-pênis” e “feminino-mulher-pênis”. A partir deles, a relação entre o gênero socialmente construído a partir do que se considera naturalmen- te advindo do sexo biológico foi esmiuçada de modo a clarear o papel dos “novos sujeitos de direitos” como verdadeiros agentes transcendentes dos polos estigmatizantes citados. Assim, o que cabe é a fixação de critérios objetivos para a permanência, e não para a entrada, das mulheres transgênero nos banheiros femininos. É a adoção dos ditos critérios a partir da previsão de conflitos em potencial que emergem se um sujei- to, estranho às mulheres cisgênero, entra no banheiro feminino. Dado o apreço que nossa sociedade tem pela legalidade e pelos documentos oficiais, bem como o momento em que a mulher transgênero surge enquanto tal para o próprio Estado, os docu- mentos com nome social feminino e a alteração desse dado e do sexo do sujeito, independentemente de cirurgia de transgenita- lização, em suas certidões, comporiam os parâmetros capazes de assegurar às mulheres trans a legitimidade e, mais do que isso, a legalidade de frequentarem banheiros femininos. Assim, a partir do momento em que essa mulher trans é reconhecida pelo próprio Estado como mulher, ela ganha indiscutivelmente o direito de todas as mulheres de utilizarem um banheiro femini- no 50 . Se houver constrangimento na abordagem dessas mulheres nessa situação ou em qualquer outra situação similar, o ordena- mento jurídico já assume para si a forma clássica de indenizar isso na figura dos “danos morais”. A questão passaria a ser de outra ordem e natureza; às mulheres trans, o direito de utilizar um banheiro feminino estaria finalmente assegurado. Assim, se- guindo a máxima do brocardo jurídico in eo quod plus est sem- per inest et minus , ou seja, “quem pode o mais pode o menos”, é natural que se deduza, objetiva e racionalmente, que, se há a possibilidade de “se fazer o mais”, ou seja, de se alterar em to- 50 Importante citar, aqui, a fl. 34 do processo da AREsp 405509/SC. Nela, a defesa do shopping Beiramar, para legitimar a retirada de Ama do banheiro feminino, argumenta que “pois sendo o autor do sexo mas- culino, é forçoso reconhecer [que o] sanitário a ser utilizado por ele deve ser o destinado aos homens e não o das mulheres” porque “a Carteira de Identidade (...) dá conta de que não houve alteração do registro civil do autor para constar nome feminino”.
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