Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

179  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021  O raciocínio basilar para positivação de tal interpretação fixa-se sobre a seguinte tese: A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gê- nero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer (...) dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do pre- nome e da classificação de gênero no registro civil (...), inde- pendentemente de procedimento cirúrgico e laudos de tercei- ros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. (BRASIL, 2018. Grifo nosso) Determinando que a possibilidade de o indivíduo verificar uma disfunção entre seu gênero instituído pela sua genitália e aquele gênero com o qual ele realmente se identifica garante ao sujeito a possibilidade de mudar seus documentos oficiais, o STF positivou que o gênero dos cidadãos é uma construção social através da qual os sujeitos, subjetivamente, se autoidentificam com um ou com o outro dos gêneros instituídos. Nesse sentido, extraem-se dois posicionamentos fundamentais do STF frente à temática de garantia e proteção dos direitos das pessoas trans- gênero que servem como premissa para orientar o RE 845.779: repeliu-se a tese de que o gênero é eterno e imutável e, acima de tudo, objetivamente fixado a partir do sexo biológico dos cida- dãos; e, além disso, consagrou apenas a manifestação de vontade do sujeito transgênero como condição para a alteração dos dados (nome e sexo) 47 . A segunda força vinculante que deve orientar a decisão do RE 845.779 trata-se, como adiantado, da Resolução nº 73/2018, do CNJ. Essa resolução determinou, a partir do entendimento positivado pela ADI 4.275 e da nova interpretação dada ao art. 58 da LRP, as disposições procedimentais para alteração do pre- nome e do gênero nos assentos documentais de Registro Civil 47 Dessa maneira, a Suprema Corte manifestou sua associação à tese socioantropológica da instituição dos gêneros – ou seja, àquela que não condiciona a identificação de um sujeito com um gênero a nenhum fator hormonal ou corporal, mas apenas à psicologia e à autonomia de vontade.

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