Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
174 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021 gumento para justificar o absurdo de negar às mulheres transgê- nero a possibilidade de elas utilizarem os banheiros femininos que não a transfobia velada? 2.2.3.1 Por que mulheres transgênero incomodam tanto em ba- nheiros femininos. O modo como as mulheres cisgênero lidam com as mu- lheres transgênero quando compartilhado o espaço do banheiro reflete naturalmente o modo como as relações entre pessoas cis- gênero e transgênero se dá na própria sociedade. Se é fato que o mundo tem avançado significativamente no que se refere às discussões de ressignificação dos padrões de gênero, de sexo e de sexualidade, é fato também que forças conservadoras se reor- ganizem de modo a tentar restabelecer o paradoxo sexual funda- mental e, assim, os limites para quem nasce com um pênis e para quem nasce com uma vagina. No Brasil, despontam ao mesmo tempo os movimentos sociais progressistas e identitários, bem como as forças conser- vadoras de estruturas arcaicas e pouco flexíveis. Essas duas for- ças postas em uma mesma sociedade inevitavelmente acarretam num debate aguçado entre suas visões de mundo. Como o Brasil se estruturou, a partir daqueles três prismas pontuados no ponto 3.1.3 43 , entende-se que as mulheres trans serão necessariamente marginalizadas. Elas transgridem as estruturas familiares ao in- verter a lógica representativa de “pai” a “mãe”; elas vão contra os valores e as representações instituídas culturalmente pelo cris- tianismo segundo o qual “deus criou o homem e a mulher”, os quais legitimam argumentos criacionistas que carecem de análi- ses sociológicas, como “Se deus o criou homem, você não pode se sentir mulher, pois, fazendo-o, estaria admitindo que deus errou na sua criação, e deus jamais erra”; e, por fim, elas, no am- biente escolar, não se enquadram ao processo de socialização que se espera delas enquanto “meninos”, fazendo com que as demais 43 Quais sejam: as representações familiares segundo a qual a divisão sexual do trabalho designa às mu- lheres as tarefas domésticas e aos homens as atividades públicas; as referências culturais de uma moral cristã, hetero-cis-normativa patriarcal e as instituições escolares, as quais contribuem para traçar não só os destinos sociais dos sujeitos como modos de pensar.
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