Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
170 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021 fragilidade, sob pena de remissão pelo grupo às categorias tipi- camente femininas dos “fracos”, dos “delicados” dos “mulherzi- nhas”, dos “veados” (BOURDIEU, 2012[1998], p. 66). 38 As mulheres transgênero são aquelas mulheres que, nas- cendo com o sexo biológico “macho” e, em função do paradoxo sexual fundamental, tendo sido designadas ao gênero masculino e a esse “dever ser” narrado, não se sentindo como pertencentes à performance masculina e à sua categorização, transgridem o polo ativo e “tornam-se mulheres” 39 . Nesse cenário, as cortes constitucionais têm sido constante- mente postas à prova pelos “novos sujeitos de direitos”. As mu- lheres transgênero têm se organizado perante o Estado de forma a reivindicar sua dignidade e seus direitos enquanto cidadãs. É nesse contexto que a reinvindicação pela possibilidade de uso dos banheiros femininos se insere. 2.2.2.1 A gradação de performance de feminilidade: parâme- tro para uso de banheiros femininos? Se os banheiros são divididos entre “homens” e “mulhe- res”, deve-se identificar o parâmetro que se adota como filtro para segregar a entrada nesses espaços. Hoje, entendemos que esse parâmetro é a aproximação do sujeito em si dos padrões comportamentais e estéticos que se espera de cada um dos res- pectivos gêneros. Logo, quanto mais distante desse padrão o su- jeito estiver, menos legítimo ele será considerado para utilizar o banheiro determinado a seu gênero. Em outras palavras, nos casos das mulheres, é como se o critério objetivo para permitir ou negar a uma mulher o uso de um banheiro em função do seu gênero seja exclusivamente o quão próxima ela está do padrão que se exige de uma mulher (tradicionalmente instituído a partir 38 É por isso que transgredir o polo ativo é tão difícil. A associação dos homens a qualquer símbolo estabelecido como feminino corrói, em certa medida, a “dignidade” do sujeito, no olhar dos outros homens. 39 Nota-se que a expressão “tornar-se mulher” encontra-se, taxativamente, entre aspas. Isso porque ela não é empregada num sentido literário ou metafórico, ou até mesmo dramático, como ocorre por exemplo na tese de Simone de Beauvoir “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Aqui, a expressão quer dizer apropriar-se dos símbolos característicos do polo passivo do paradoxo sexual fundamental e/ou do sexo feminino de modo que tal sujeito inserido nesse processo assuma no seio da sociedade, legitimamente, a figura do que essa própria sociedade entende por “mulher”.
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