Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

169  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021  femininos através de sujeitos que não foram socialmente desig- nados para tal processo. Nesse sentido, Bourdieu explicitou que: O trabalho de construção simbólica [do gênero] não se reduz a uma operação estritamente performativa de nominação que oriente e estruture as representações. (...) Ele se completa e se realiza numa transformação profunda e duradoura dos corpos (e dos cérebros), (...) e tende a excluir do universo do pensável e do factível tudo que caracteriza pertencer ao outro gênero. (BOURDIEU, 2012[1998], p. 32). Isso significa que os sujeitos que se identificam com o gê- nero feminino, mas que não foram biológica e socialmente desig- nados para ele, dependem de um trabalho duplo para assumir a identidade social feminina: performar os padrões e as represen- tações femininas, e afastar-se de todas as maneiras do universo do gênero masculino. Contudo, isso não significa que haja uma espécie de “transgênero ideal”. O que Bourdieu tenta explicitar é que não basta uma “reforma externa” do indivíduo; há uma psicologia interna e subjetiva que se distancia dos símbolos mas- culinos. Assim, por mais que os gêneros sejam objetivamente de- signados aos sujeitos desde o momento da descoberta de seus sexos biológicos, é subjetivo do indivíduo perceber-se enquanto “homem” ou enquanto “mulher”, desvinculando-se ou não da- quela performance social que lhe fora designada. “Ser homem”, socialmente, implica necessariamente num “dever ser”. Assim, a “honra” se estabelece como uma “força su- perior” que dirige os pensamentos e as atitudes do homem sem obrigá-lo automaticamente e sem se impor como regra racional, mas afirmando a virilidade como dogma central da performan- ce de masculinidade. A virilidade tem por princípio o medo de qualquer associação ao feminino. Ela é uma carga que, por sua vez, impõe ao homem o “dever ser” de afirmar, perante outros homens, em toda e qualquer circunstância, sua masculinidade, associada, diretamente, à força, à bruteza, e nunca à fraqueza e à

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