Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

167  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021  rosto sem traços muito fortes e marcantes, geralmente coberto por maquiagem e acompanhado de um par de brincos nas ore- lhas, anéis nos dedos, pulseiras nos punhos etc”. À apropriação desse conjunto de características internalizadas nos indivíduos por meio do próprio papel da dominação masculina e da di- visão social e às quais se associam os ideais de feminilidade, a essa ornamentação clássica que é associada ao polo passivo do paradoxo sexual fundamental dá-se o nome de “performance de feminilidade”. Performar feminilidade significa, em síntese, expressar-se estética e habitualmente de acordo com o modelo idealizado a que se associa o conceito de “feminino”. Diante disso, conclui-se que, para a sociedade em geral, legitimar um indivíduo enquanto mulher passa, além de julgar sua genitália, por validar ou não a maneira como ele está se expressando perante si próprio e perante a sociedade em que está inserido. Bourdieu defende a tese de “ser feminino como ser-perce- bido”. Para o autor, a relação do sujeito com o próprio corpo de- pende de uma representação subjetiva ( seelf-steem do sujeito) e de uma representação objetiva ( feedback enviado pelos outros) 36 . Nesse sentido, explicita-se que, no imaginário do senso comum, para que o indivíduo seja reconhecido e legitimado enquanto mulher, ele deve invariavelmente performar feminilidade. A grande problemática dessa questão é: tal concepção é cisnorma- tiva, como haveria de ser em virtude do modo como as disposi- ções de gênero naturalizaram o paradigma “mulher-vagina” e “homem-pênis”. A partir do momento em que se estabelece que os sujeitos que nascerem com vagina devem ter “cabelos longos, estatura média ou baixa, corpo coberto com roupas claras, talvez os pés apoiados num salto, com um rosto sem traços muito fortes e marcantes, geralmente coberto por maquiagem e acompanha- do de um par de brincos nas orelhas, anéis nos dedos, pulseiras 36 O autor destaca, ainda, que não é somente isso. Ainda segundo ele: “O corpo percebido é duplamente determinado socialmente. Por um lado, ele é (...) um produto social, que depende de suas condições sociais de produção, através de diversas mediações, tais como as condições de trabalho (...) e os hábitos alimentares (...). Por outro lado, essas propriedades corporais são aprendidas através de esquemas de percepção cujo uso nos atos de avaliação depende da posição ocupada no espaço social”. (BOURDIEU, 2012[1998], p. 80).

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