Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
165 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021 À luz desse momento histórico, entende-se o papel funda- mental da medicina higienista da época nas suas ferozes implica- ções na maneira como as casas burguesas se organizavam, sobre- tudo quanto sua limpeza. Até então, o interior das casas estava designado às mulheres, ou seja, ao ambiente escuro, insalubre, úmido; em contraposição, aos homens estava designado o espaço público: claro, saudável, seco. Quando as mulheres começaram a ocupar as ruas, ensejou necessariamente a necessidade de se criar banheiros também para elas. Antes, os banheiros públicos eram exclusivamente masculinos, ratificando a ideia de que as mulhe- res sequer frequentavam o ambiente público. Criar banheiros pú- blicos também para as mulheres significaria trazê-las para esse espaço, definitivamente; seria como convidá-las a sair de suas ca- sas e de sua rotina privada, o que contrariava frontalmente toda a própria estrutura de violência e de dominação simbólicas. Assim, a separação dos banheiros entre os sexos mostra- -se uma herança direta do movimento higienista europeu do século XIX. Noutro prisma, ainda mais aprofundado, podemos tê-la, também, como consequência, prova e ilustração clara da manifestação da estruturação paradoxal entre os gêneros: se a dominação masculina se encarregava de manter o espaço públi- co exclusivamente destinado aos homens, os banheiros desses espaços, naturalmente, seriam projetados de tal maneira apenas a contemplá-los; a partir do momento em que se democratiza o espaço público de modo a contemplar também as mulheres, en- seja a necessidade de lhes garantir também banheiros próprios, porém distintos dos masculinos. Destarte, evidencia-se pacífica a estipulação de que os ho- mens devam utilizar os banheiros masculinos, e as mulheres, os femininos. Contudo, essa dicotomia homem/masculino e mu- lher/feminino não se conservaria imutável ao longo do tempo. A grande questão sobre o uso de banheiros por mulheres trans- gênero, nesse sentido, desperta a partir de uma discussão mais profunda e mais controversa do que essa. Contemporaneamente, retirar-se para um local não frequentado. E é correto (mesmo no caso de crianças) cumprir outras funções naturais em locais onde não possam ser vistas.” (LA SALLE apud ELIAS, 1994, p. 138).
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