Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
164 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021 Assim, a separação entre os banheiros se dá também a par- tir do próprio paradoxo fundamental: sujo e limpo, coletivo e individual, rápido e lento, malcheiroso e cheiroso configuram polos opostos que se estendem até a mais íntima manifestação da individualidade humana (utilizar um banheiro para aliviar- -se) 33 . A separação dos banheiros em sua máxima expressão da dicotomia entre os gêneros pauta-se, essencialmente, num crité- rio biológico, naturalizando-o como necessariamente interligado à expressão de gênero coincidente à do gênero a que se designa o espaço. À categoria “mulher-vagina” é reservado o banheiro “feminino”; enquanto à categoria “homem-pênis” é reservado o banheiro “masculino”. 2.2.1 Da prévia separação entre os banheiros masculino e fe- minino. Embora a ideia de banheiro exista há milhares de anos, os banheiros privados, segregados por gênero, foram uma invenção moderna da Europa Ocidental, no período marcado pela urba- nização, pela reforma sanitária no século XIX, pela privatização das funções do corpo e pela ideologia de separação das esferas de cada gênero (PENNER, GERSHENSON, 2009, p. 5). Houve, a partir de então, uma evolução nas formas de se entender o ba- nheiro: de local para poupar “as vergonhas” à ideia de higiene. O padrão civilizatório que se alastrava pela Europa pregava como uma de suas bandeiras comportamentais justamente essa ideia de “privacidade” dos atos fisiológicos, expressando-se, em últi- ma instância, no fato de sequer entrar em contato com o corpo humano do sexo oposto 34 . separa, demarcando e criando diferenças, colocando em extremidades, a partir de um desejo que podemos chamar de relacional, elementos que podem e estão relacionados com a natureza e a cultura ao mesmo tempo, sexo e gênero, feminino e masculino”. (SIQUEIRA, 2014, p. 358). 33 Para ilustrar, basta que se analise as características comportamentais dos homens ao urinar em compara- ção às das mulheres: homens urinam empé, e, quanto pior a sua pontaria no vaso, mais eles “demarcam terri- tório” e, assim, mais se mostram viris. As mulheres, por sua vez, urinam discretamente: sentadas, silenciosas, sozinhas e, ainda, necessariamente, limpam-se no final do ato sob pena de serem chamadas de “porcas”. 34 Para ilustrar isso, podemos citar o seguinte extrato, retirado da obra de Jean-Baptiste de La Salle, “ Les Règles de la bienséance et de la civilité chrétienne ”, comentado por Nobert Elias em sua obra “O Processo Civi- lizatório”: “É muito contrário à decência e à propriedade tocar ou ver em outra pessoa, principalmente do sexo oposto, aquilo que os Céus proíbem que você olhe em si mesmo. Quando precisar urinar, deve sempre
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