Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
161 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021 humanos passam pode ser pacífico ou não. Isso significa que há casos nos quais o sujeito atende passiva e indiferentemente às designações as quais lhe foram determinadas pelo seu respectivo polo – ou seja, sua “identidade de gênero” 26 converge com sua disposição biológica –, e casos nos quais esse atendimento é, no mínimo, desconfortável. Àqueles sujeitos cujo processo de socialização desempe- nhado pela instituição de uma identidade social típica do polo previamente designado ao seu sexo é pacífico, isto é, não despon- tando incongruência entre o sexo do indivíduo e o gênero a ele atribuído, dá-se o nome de sujeitos cisgênero 27 . Essa seria a “regra geral” para a operabilidade clássica entre os polos “masculino” e “feminino”. Tido esse fenômeno de subsunção do sexo ao gênero como natural, seria essa a “ordem natural das coisas”. Entretan- to, como já pontuado, um grande marco da contemporaneidade são as reinvindicações políticas e jurídicas dos “novos sujeitos de direitos”, ou seja, dos indivíduos que transgridem os polos “ho- mem-pênis” e “mulher-vagina” de modo a questionar a relação entre os gêneros culturais e simbolicamente instituídos e o sexo biológico. Para esses indivíduos, o processo de socialização pelo qual lhes foram instituídos seus gêneros não condiz com seus próprios anseios em relação ao que projetam para si nem com a forma como eles se percebem perante o restante de sua coletivi- dade. A esses indivíduos determina-se o prefixo “trans”. Nesse momento, as disposições tidas como “naturais” e “imutáveis” dos gêneros confundem-se: os sujeitos “trans” mostram, através da sua própria existência, que “ser mulher” e “ser homem” não é tão simples quanto à subsunção do “pênis” e da “vagina” aos polos “homem” e “mulher”. A expressão “transgênero” seria, como comumente é em- pregada, uma “expressão guarda-chuva”. Isso porque ela desig- na vários casos de pessoas cujo gênero assumido não correspon- 26 O conceito “Identidade de gênero” pode ser definido como: “reconhecimento que o indivíduo possui de si mesmo, diante de padrões de gênero instituídos pelas normas sociais estabelecidas”. (SILVA, B., CERQUEIRA-SANTOS, 2014, p. 32). 27 O prefixo “cis” significa “deste lado” ou “aquém”, enquanto o prefixo “trans” significa “do outro lado” ou “além”. Assim, a palavra “cisgênero” é usada como antônimo da palavra “transgênero”.
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