Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
159 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021 podemos definir os corpos humanos como o conjunto de quatro elementos: a parte da frente (local de diferenciação sexual), a par- te de trás (“sexualmente indiferenciadas e potencialmente femi- ninas”) (BOURDIEU, 2012[1998], p. 26), a face (parte relacionada massivamente à identidade social do indivíduo) e, por último, as partes privadas (que seriam os “pontos de honra”; as partes co- bertas do corpo, as “vergonhas”). Nesse sentido, naturalmente se deduz que as diferenças biológicas dos corpos das fêmeas huma- nas e dos machos humanos sejam fatores suficientemente deter- minantes para designar como esses quatro elementos dispor-se -ão. Em outras palavras: as diferenças anatômicas entre os órgãos sexuais em si seriam justificativas naturalmente inquestionáveis para a definição do modo como o sujeito deveria ser socializado. Esse princípio “naturalizante” Pierre Bourdieu denominou de “Princípio de Divisão Social”. Nessa linha de raciocínio, en- tende-se que a natureza nada cria de significações ao modo como o corpo humano é instituído; é o referido princípio que “constrói a diferença anatômica [enquanto] (...) esta diferença socialmente construída (...) se torna o fundamento e a caução aparentemente natural da visão social que a alicerça” (BOURDIEU, 2012[1998], p 26). Assim, “a definição social dos órgãos sexuais (...) é produto de uma construção efetuada (...) através da acentuação de certas diferenças, ou do obscurecimento de certas semelhanças” entre os corpos, não tendo a natureza responsabilidade alguma sobre isso. Estando inscrito numa sociedade, o indivíduo passa, desde a sua concepção e até sua morte, por um massivo, denso e irre- corrível processo de “socialização”. Isso significa, básica e essen- cialmente, que ele será apresentado às disposições de gênero da sociedade, ou seja, ao binarismo antitético homem/mulher, que, a partir de então, submeterá seu corpo a essas disposições e às expectativas dos moldes que elas lhe designarão em virtude da sua genitália. As disposições biológicas dos corpos inferem em estruturações de dominação sociais cujo único critério determi- nante é o sexo biológico. Há uma dicotomia sexual fundamental para a estrutura- ção da sociedade: o paradigma antitético entre homem e mulher,
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