Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
146 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021 Partindo de uma retomada material e processual do Recur- so Extraordinário 845.779, a pesquisa aprofunda-se nos parâme- tros legais que sustentam as teses da defesa e da acusação. Nes- se sentido, lança-se mão de um estudo socioantropológico para determinação prática e técnica do que se entende por “mulheres transgênero” e de como a decisão do STF deve delimitar muito bem quem tal expressão abarca. A seguir, analisam-se, a partir de obras clássicas da sociologia e de periódicos sobre a temática, os parâmetros de autoidentificação dos sujeitos com o polo ativo ou com o polo passivo do paradoxo fundamental. Adiante, lança-se mão de um exame das próprias decisões já tomadas e vinculadas pelo STF cujo objeto seja a garantia e efetivação dos direitos das mulheres transgênero: a ADI 4.275, o Decreto 8.727, a ADPF 527 e a Resolução nº 73/2018 do CNJ. Frente o pesquisado, conclui-se que não há como se adotar critérios objetivos que estabeleçam condições para legitimar o acesso de um sujeito a um banheiro feminino. Como concluiu-se que o gênero performado pelo sujeito está associado a uma cons- trução social a partir dos símbolos estigmatizantes dos polos do paradoxo sexual fundamental, destaca-se que a instituição de um gênero, portanto, é uma categoria subjetivamente apropriada. Por isso, o que cabe é a fixação de critérios objetivos para a permanên- cia, e não para a entrada, das mulheres transgênero nos banheiros femininos. Nesse sentido, entende-se que a partir do momento em que essa “mulher trans” é reconhecida pelo próprio Estado sim- plesmente como “mulher”, ela ganha indiscutivelmente o direito de gozar de todos os direitos já garantidos às mulheres cisgênero, cabendo às autoridades judiciais a tarefa de conciliar as demandas advindas desses sujeitos que transgridem a ultrapassada dicoto- mia estigmatizante de “homem-macho” e de “mulher-fêmea”, a fim de não tornar o ordenamento jurídico nacional conivente e, por isso, agente legitimador de ações que violem direitos legais de qualquer cidadão ou cidadã brasileiro(a). 2 2 Na contestação do processo em pauta, há uma frase, em negrito e sublinhada, que se mostrará mais adiante como uma das mais problemáticas de todas as peças processuais por escancarar o modo como o sistema judiciário brasileiro tem sido conivente com as situações de expulsões de mulheres trans de banheiros femininos. Por hora, registrar-se-á aqui, como exemplo da acusação explicitada sobre o Judiciário ser “coni-
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