Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
145 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 142-184, Jan.-Mar. 2021 não mais círculos intangíveis, mas sim, círculos conexos, ou até mesmo inscritos uns nos outros. Diante das reinvindicações da- queles sujeitos, os sistemas jurídicos passam a ser provocados por situações completamente inéditas do ponto de vista cisgê- nero e heteronormativo segundo o qual seus pilares legais se estruturaram. Assim, as justificações daquela ordem tida como “natural” apresentam-se insuficientes. Quando os indivíduos nascem, em função da genitália bioló- gica que apresentam, são colocados em polos opostos, num esque- ma de constantes antinomias, definindo, assim, gêneros feminino e masculino a partir das genitálias vagina e pênis, respectivamen- te. O masculino caracterizando-se pelo ativo, o grande, o público, e o feminino, por sua vez, o passivo, o pequeno, o privado. É jus- tamente esse último par antitético, o do público e do privado, que permeia todas as questões sociojurídicas sobre as quais as discus- sões desse artigo debruçar-se-ão. Assim, o que se apresenta aqui como objeto de estudo é a definição dos limites público/privado no que tange, basicamente, a três aspectos: a intimidade no uso privado de banheiros – ou seja, de um suposto espaço público – e a orientação legal para a definição de regras em espaços privados; a expressão identitária do corpo pública e privadamente – e, con- sequentemente, o modo como as performances de gênero estão estabelecidas no olhar do outro sobre o próprio indivíduo em si –; e, por fim, a necessidade de interferência do poder público para evitar violações de direitos nas esferas privadas em si. Pelo fato de o RE 845.779 representar centenas de mulheres que, de alguma forma, foram constrangidas pelo modo como as violências de gênero e sexualidade operam contra as mulheres trans, ele deixa de ser apenas mais um litígio para configurar o arauto de um necessário posicionamento do ordenamento que atenda as mudanças nas próprias estruturas que fundaram o Di- reito. Toda a análise processual resume-se a basicamente duas indagações que o STF deverá responder: mulheres transgênero podem ou não podem usar banheiros femininos? Proibi-las de fazê-lo atenta contra seus direitos constitucionais? definidos como aqueles que ficaram à margem do sistema jurídico-legal.”
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