Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 96-133, Jan.-Mar. 2021 125 Saindo da análise acerca do bem que serve de residência ao devedor e a sua família, há também quem afirme que, para fins de afastar a regra da impenhorabilidade, importante será averi- guar se há vulnerabilidade do credor, 41 bem como avaliar se seu interesse estaria ligado diretamente à sua subsistência. 42 Nessa direção, afirma-se que somente em hipóteses em que há deslo- camento do fundamento axiológico (proteção da dignidade da pessoa humana) do devedor para o credor seria possível afastar a proteção do bem de família de elevado valor. Contudo, parte da doutrina afasta tal critério, visto que a verificação deve centrar-se na preservação do aspecto funcional do instituto, não sendo necessário olhar para aspectos subjetivos do credor. Em determinadas situações, proteger certo imóvel de elevadíssimo padrão contra a penhora desvirtuaria sua função naquela parcela do bem da qual o devedor não precisa para viver com dignidade, e bastaria tal constatação para que fosse possível proceder à penhora. 43 Sul, em caso que envolvia a análise acerca da alegação de suntuosidade de imóvel considerado bem de família, para fins de permitir a penhora. À época, afirmou-se que a prova de que certo imóvel apresenta elevado consumo de energia (R$ 2.517,87, na ocasião) não tem o condão de certificar, sozinha, que se trata de imóvel suntuoso. (TJRS, 12ª C.C., Ap. Cív. 70058259433, Rel. Des. Mário Crespo Brum, julg. 13.3.2014, publ. DJ 7.4.2014). 41 Pontua Diego Brainer que, a despeito das dificuldades de operacionalização do tema, existem certas “zonas de certezas para as quais o juiz não deve se omitir, notadamente, como já explicitado, quando se trata de credor vulnerável”. Nesses casos, não se poderia perder de vista a possível vulnerabilidade do credor, e a existência de um interesse diretamente ligado à sua subsistência. (BRAINER, 2019, p. 139). Tais circunstâncias também já foram utilizadas em jurisprudência para fins de fundamentar a autorização de penhora parcial de verba salarial, mesmo diante da regra do art. 649, IV, do CPC/73, que dita sua impenho- rabilidade. O Recurso Especial manteve a decisão do tribunal estadual que decidiu ser possível a penhora de 30% do salário do devedor para o pagamento de uma dívida de natureza não alimentar, já que se fosse alimentícia, já haveria exceção legal que garantiria ser possível a penhora. Entendeu-se que: “No caso, o principal entrave quanto à penhora de verba salarial é que a vedação consta expressamente em lei e a única exceção seria a prestação alimentícia. Entende-se, então, que apenas a aproximação funcional da exceção prevista em lei permitia a penhora em questão, quer-se dizer, a imprescindibilidade do recebimento do crédito para fins de subsistência” (STJ, 3ª T., REsp 1547561/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, jul. 9.5.2017, publ. DJe 16.5.2017). 42 André Borges de Carvalho Barros considera ser essencial a análise do interesse do credor, para fins de averiguar se o crédito tem lastro na tutela da dignidade da pessoa humana e em direitos existenciais. Con- fira: “ Não é demais dizer que é somente na hipótese de deslocamento do fundamento axiológico (proteção da dignidade da pessoa humana) da propriedade para o crédito, do devedor para o credor, que entende- mos possível afastar a proteção do bem de família de elevado valor. Em hipóteses em que o crédito não tem lastro na dignidade da pessoa humana e em direitos existenciais (credor abastado, crédito de dívidas fiscais, bancárias etc.) ou em que o bem de família tem valor moderado, tal medida é inconstitucional.” ( BARROS, 2017). 43 “Para tanto, não se faz necessário perquirir a má-fé do devedor, tampouco levar em conta a natureza e a relevância dos interesses dos credores no caso concreto para confrontá-los com os daquele, bastando
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