Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 96-133, Jan.-Mar. 2021 121 Cuida-se de discussão espinhosa, sendo basilar levar em conta a exata função que o bem de família desempenha, bem como interpretar a lei em harmonia com todo o ordenamento ju- rídico. Os fundamentos por trás do instituto apresentarão essen- cial papel na construção da formulação segundo a qual é possível admitir-se, em determinados casos, a penhora de bem de família considerado luxuoso, prestigiando-se o aspecto funcional em de- trimento da leitura fria da estrutura definida na Lei 8.009/90. Dessa maneira, reafirmando-se os vetores principiológicos elen- cados na Constituição da República sem que isso importe de- vastar a regra da impenhorabilidade, busca-se promover leitura funcional em que o sacrifício de interesses do credor somente será legítimo, no caso concreto, quando observados certos parâ- metros axiológico-normativos. (LUSTOSA, 2016, p. 147) Ultrapassada a exposição de argumentos apontados por ambas as correntes, é possível identificar um grupo de estudio- sos, agasalhado pela tese consagrada pelo STJ, que afirma não ser possível a penhora do bem de família suntuoso, ante a ausên- cia de previsão expressa na lei e diante da insegurança jurídica que daí resultaria; há também aqueles que, embora reconhecen- do falha na inércia do legislador na tarefa de definir um teto le- gal, afirmam ser possível que o magistrado limite, enquanto a lei assim não o faz, a impenhorabilidade em situações absurdas, to- mando como base a Constituição da República (BARROS, 2017); por fim, há autores que consideram que a ausência de previsão legal, em verdade, é vantajosa e apenas deslocou para o juiz a missão de identificar, casuisticamente, os parâmetros elementa- res de uma vida digna (LUSTOSA, 2016, p. 147). 37 De acordo com essa última opção, alude-se à unidade lógi- ca e sistemática, em que se imbricam a teoria da interpretação e o ordenamento jurídico na sua unidade, garantida pela Constitui- ção. Nas palavras de Pietro Perlingieri, “não se pretende confinar 37 Guilherme Calmon e Thaís Boia já afirmaram que: “Somente em cada caso concreto será possível inferir qual é o padrão médio de cada pessoa, de modo a reconhecer se os seus bens são, ou não, de padrão médio, tendo como norte o princípio da proporcionalidade, sendo certo que a determinação de qualquer critério predeterminado de valoração revela-se incompatível com a realidade brasileira, que possui como traço marcante a diversidade social de cada pessoa” (GAMA; MARÇAL, 2014, p. 41).
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