Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 96-133, Jan.-Mar. 2021  119 e Thaís Marçal que é adequada a ausência de previsão legal do bem luxuoso, já que somente em cada caso concreto será possível aferir qual é o padrão médio, tomando como premissa a realida- de brasileira e diante da aplicação direta dos princípios consti- tucionais. (GAMA; MARÇAL, 2014, pp. 30-45) Nessa esteira, a razão de ser da possibilidade de penhora de bens imóveis de alto valor residiria na aplicação direta de valores da Constituição. (LUSTOSA, 2016, p. 144 e FARIAS, 2013, p. 238) O mesmo autor chega a afirmar que a solução gira em tor- no da consideração atenta da função exercida pelo instituto, de modo que a lei que visa a proteger não de forma isolada um direi- to à moradia ou determinado padrão de vida, mas sim assegurar guarida a um patrimônio mínimo como instrumento a viabilizar a realização da dignidade da pessoa humana, diante da qual se justifica tal proteção patrimonial. (LUSTOSA, 2016, 147) Ainda que a penhora possa gerar perturbação momentânea, ante a ne- cessidade de mudança de domicílio do devedor e de sua família, tal incômodo decorre da própria necessidade de preservação do patrimônio mínimo, não se podendo permitir a sobreposição da estrutura sobre a função do bem de família. De igual modo, considerar tratar-se de regra absoluta po- deria representar sacrifício irrazoável aos interesses legítimos de credores, sem que houvesse fundamento axiológico capaz de justificar a recusa de tutela jurídica àqueles direitos. 33 Afinal, não accipiendum est: tam ex legum sententia, quam ex verbis (o sentido das leis se deduz tanto do espírito como da letra respectiva). Muitas das vezes, a justiça e o dever de fazer prevalecer a vontade real do legislador conduzem a decidir contra a letra explícita. Ao legislador, é impossível prever todas as vicissitudes da vida em sociedade. Daí a necessidade, a princípio, de se elaborar normas de forma ampla, genérica, abran- gente, permitindo ao magistrado, intérprete da norma, aplicá-la ao caso concreto, casuisticamente. E é justamente isso o que ocorre no caso concreto. A letra da lei geral, ampla, estabelece que o bem de família é impenhorável. Sua intenção é assegurar o efetivo exercício do direito à moradia digna. Mas aos olhos do aplicador da lei, a hipótese dos autos revela exceção; o magistrado se dá conta de que a aplicação fria da lei ao caso concreto resulta em injustiça; e não é isso o que busca o aplicador do direito, nem é isso o que espera o jurisdicionado, mas sim a normatização justa do caso concreto in omnibus quidem, maxime tamen, in jure, aequitas spectanda sit (em todas as coisas, mas principalmente em Direito, deve-se ter em vista a equidade)” (TJSP, 12ª Câm. De Dir. Priv., AI 2011061-57.2019.8.26.0000, Rel. Des. Sandra Galhardo Esteves, julg. 22.5.2019, publ. DJ 23.5.2019). 33 Destaca-se em doutrina: “É natural que com o cumprimento da obrigação creditícia ocorra uma di- minuição no padrão de vida do executado; o que não se pode permitir é que por meio dessas proteções legais o devedor mantenha o mesmo elevado padrão de vida, restringindo por consequência o direito fundamental que tem o credor de efetivar o seu crédito. Desta forma, não parece adequado deixar o credor passar por privações e necessidades no seu sustento e no da sua família, enquanto o devedor se mantém

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