Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 96-133, Jan.-Mar. 2021  114 nhora de certo instrumento musical, à luz da análise concreta da titularidade exercida sobre ele. 21 Considerou a Terceira Turma, na apreciação do REsp 207.762, que não se verificou suntuosida- de para fins de exclusão da proteção advinda do bem de família legal sobre o instrumento, uma vez que ele seria indispensável ao estudo e futuro das filhas da titular do bem. 22 De outra parte, a mesma Turma considerou, no julgamento do REsp 198.370, 23 configurada a hipótese de exceção à impenhorabilidade, prevista no art. 2º da Lei 8.009/90, para fins de declarar possível a pe- nhora sobre o piano. Isso porque, no caso em tela, o instrumento não era (nem havia indicações de que seria) utilizado pelo titular como meio de aprendizagem, como atividade profissional, nem mesmo seria ele bem de valor sentimental. Ademais, a existência do patrimônio mínimo se relaciona à busca por uma sociedade mais solidária e justa, em caráter de- mocrático. Nessa ótica, a proteção do patrimônio mínimo é fun- damental não apenas para cada indivíduo isoladamente consi- derado, mas também para o Estado e para a construção de uma nova realidade social. A defesa do ‘mínimo’, na lição de Luiz Edson Fachin, não quantificaria, e sim qualificaria o objeto, pro- movendo, em alguma medida, a solidariedade. 24 A proteção pa- trimonial consubstanciada na Lei 8.009/90 se justifica enquanto necessária para assegurar esse mínimo existencial, que, repita-se, não se confunde com um mínimo para sobreviver apenas, mas também não parece visar a garantir a manutenção de um alto padrão de vida a seus titulares (LUSTOSA, 2016, p. 144). Ainda que diante da dificuldade prática concernente à deli- mitação do ‘mínimo” a ser garantido, uma vez que não o tenha fei- to o legislador, mais alinhada à garantia estatuída na Lei 8.009/90 21 Estabelece o caput do art. 2º, da Lei 8.009/90 que “Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”. 22 STJ, 3ª T., REsp 207.762/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, julg. 27.3.2000, publ. DJ 5.6.2000. 23 STJ, 3ª T., REsp 198370/MG, Rel. Min. Waldemar Zveiter, julg. 16.11.2000, publ. DJ 5.2.2001. 24 “A existência possível de um patrimônio mínimo concretiza, de algum modo, a expiação da desigual- dade, e ajusta, ao menos em parte, a lógica do Direito à razoabilidade da vida daqueles que, no mundo do ter, menos têm e mais necessitam. (...) Tal mínimo é valor e não metrificação, conceito aberto cuja presença não viola a idéia de sistema jurídico axiológico. O mínimo não é menos nem é ínfimo. É um conceito apto à construção do razoável e do justo ao caso concreto, aberto, plural e poroso ao mundo contemporâneo” (FACHIN, 2006, pp. 299 e 301).

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