Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 96-133, Jan.-Mar. 2021 113 oportunidades reais de exercício de seus direitos fundamentais” (OLIVA, RENTERÍA, 2019, p. 323). Embora não se encontre grafado explicitamente, uma lei- tura sistemática do Código Civil segundo a Constituição Federal permite que se depreenda a ideia do patrimônio mínimo, à luz da dignidade da pessoa humana, do direito à vida e das condi- ções mínimas para uma existência digna. Ademais, há dispositi- vos do Código Civil que propiciam sua percepção clara. É o que se extrai, por exemplo, do art. 548, 19 em que se veda a doação de todos os bens sem que haja reserva de parte suficiente à garantia da subsistência do doador. Além disso, o patrimônio mínimo en- contra agasalho cristalino na Lei 8.009/90. 20 Em verdade, a teoria do patrimônio mínimo busca ampliar a noção de propriedade, funcionalizando-a e humanizando-a, para fins de democratizar o conceito, colocando-se “a pessoa à frente do patrimônio, ainda que para isso seja necessário assegu- rar um mínimo patrimonial que garanta a subsistência e a digni- dade” (FACHIN, 2016, p. 697). O conceito de patrimônio mínimo deve abranger mais que o mero substrato material de existência: não se trata apenas de um patrimônio mínimo econômico, mas sim jurídico, que abrange também, a título de exemplo, os di- reitos da personalidade. É preciso levar em consideração todas as relações desenvolvidas pelo sujeito em determinado lugar, vi- sando à sua realização enquanto pessoa humana e a proteção de sua dignidade, que lhe é ínsita. Ante a possibilidade de exclusão de certos ativos do ataque dos credores, acrescente-se a necessá- ria valoração judicial, a ser concretamente realizada sempre com fins de preservação do mínimo existencial do devedor. Ilustrativamente, o Superior Tribunal de Justiça já chegou a conclusões em sentidos diferentes quanto à possibilidade de pe- 19 CC/2002, Art. 548. “Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.” 20 Conquanto os conceitos estejam intimamente associados e possam se sobrepor em determinadas si- tuações, sendo possível afirmar que o bem de família é uma forma de garantir um patrimônio mínimo, deve-se estar atento para não se baralhá-los. Sustenta Luiz Edson Fachin que essa última garantia, objeto de estudo do autor, pode se realizar de outras maneiras que não necessariamente na figura do bem de fa- mília (FACHIN, 2016, p. 696). Outrossim, a origem, as minúcias teóricas e o caminho percorrido pelo bem de família não permitem afirmar identidade com a teoria do patrimônio mínimo.
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