Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 96-133, Jan.-Mar. 2021  111 cônjuges ou companheiros ou, especialmente, no bem de família (RUSSO JÚNIOR, 2006, p. 58). O bem de família estaria calcado, portanto, na ideia de imunização da morada do indivíduo (ou da família), amplian- do-se, com a Lei 8.009/90, seu grau de proteção para além do imóvel habitado por ele. Da inclusão das plantações, das benfei- torias e de equipamentos, prevista no parágrafo único do art. 1º do diploma legal, fica cristalina a associação necessária entre a moradia e a elementar dignidade da pessoa humana, protegidas contra quaisquer execuções que se lhe movam. Com efeito, sem um espaço adequado voltado à sua própria proteção e de sua família contra as intempéries do dia a dia, no qual concretizam- se também direitos como intimidade e privacidade, certamente a pessoa não terá assegurada sua dignidade e, ocasionalmente, sequer o direito à vida. Em que pese a Constituição da República tenha sido omis- sa quanto ao conteúdo do direito à moradia, é possível que se faça uso da normativa internacional para fins de sua determi- nação. Assiste-se a uma tendência no sentido de, em respeito às exigências postas pela Organização Mundial de Saúde, garantir- se “completo bem-estar físico, mental e social, já que uma vida com dignidade em hipótese alguma poderá ser menos do que uma vida com saúde, à evidência não restrita a mera existência e sobrevivência física” (SARLET, 2002, p. 158). Nesse sentido, a Comissão da ONU para Direitos Econômicos, Sociais e Cultu- rais criou uma lista de elementos básicos a serem atendidos em termos de direito à moradia, que pode servir de inspiração em âmbito nacional. 18 As diretrizes aludidas devem ser interpretadas não com o propósito de garantir unicamente uma espécie de ‘teto sobre 18 Resumidamente, elencou-se os seguintes preceitos: a) segurança jurídica para a posse; b) disponibilida- de de serviços, materiais, equipamentos e infraestrutura para a garantia da saúde, segurança, conforto e nutrição dos titulares do direito; c) acessibilidade, de modo que as despesas com a manutenção da moradia não comprometam a satisfação de outras necessidades básicas; d) habitabilidade, garantindo a segurança física aos seus ocupantes; e) facilidade de acesso, especialmente para portadores de deficiências; f) loca- lização que permita acesso a emprego, serviços de saúde, educação e outros serviços sociais; g) respeito pela construção da identidade e diversidade cultural da população da localidade. Tais elementos se podem extrair do parágrafo 8º do Comentário-Geral nº 4, acerca de um direito à moradia adequado, editado pela Comissão da ONU para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

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