Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 96-133, Jan.-Mar. 2021  107 ao operador do direito diuturnamente. Um mesmo instituto, cuja estrutura esteja já vastamente consignada em sede legal, poderá assumir valor diferente daqueles que o caracterizavam em sua origem. (PERLINGIERI, 2005, p. 8) Dentro da nova ordem consti- tucional, é possível que figuras que assumiram tradicionalmente função de certo tipo adquiram nova roupagem funcional. Não será diferente com relação ao bem de família. Tradi- cionalmente, a figura se voltou à proteção salutar da entidade familiar como instituição, que funcionaria como unidade de pro- dução e reprodução de valores variados. Tal interpretação de- corre de ideia segundo a qual existiria uma coesão formal ínsita ao conceito de família, justificando, por vezes, o sacrifício indi- vidual em prol da preservação da instituição que representaria a célula mater da sociedade. À luz das alterações axiológicas introduzidas nas relações familiares pela atual Constituição, impediu-se “que se pudesse admitir a superposição de qualquer estrutura institucional à tutela de seus integrantes, mesmo em se tratando de instituições com status constitucional” (TEPEDINO, 2008, p. 422). Deixa a família de ter valor intrínseco e passa a ser valorada de forma instrumental, merecedora de proteção apenas na medida em que sirva ao desenvolvimento da personalidade de seus integrantes. Assim, a chamada “família-instrumento se apresenta como o lu- gar no qual os seus membros encontram campo para se desen- volverem como pessoas” (MEIRELES, 2012, p. 2), sem significar o afrouxamento de sua proteção pelo ordenamento jurídico. Não mais parece razoável supor que a proteção da entida- de familiar seja a função elementar – ou exclusiva - desempenha- da por figura de tamanha relevância, como é o bem de família. Afinal de contas, aceitar a proteção da família como sua função substancial e específica significaria, por exemplo, excluir o deve- dor solteiro de sua pauta protetiva. Se no momento de seu sur- gimento, autorizava-se a proteção do bem de família com base puramente na preservação da célula mater da sociedade, tal in- terpretação não mais será suficiente a fundamentar a tutela pelo ordenamento jurídico em termos de bem de família.

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