Revista da EMERJ - V. 23 - N. 1 - Janeiro/Março - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 9-34, Jan.-Mar. 2021  10 O discurso de ódio é, antes de tudo, um fenômeno social complexo, que remete a situações diversas e heterogêneas entre si. A compreensão dessa complexidade é fundamental para uma adequada análise sistemática do problema, que não recaia em sim- plificações, casuísmos ou reducionismos, comumente geradores de divergências artificiais entre aqueles que se debruçam sobre o tema. A expressão remete a uma multiplicidade de manifestações e condutas discursivas, que se revestem das mais variadas formas e se desenvolvem em uma infinidade de contextos diferentes, o que torna impossível dar um tratamento uniforme ao problema. A busca de medidas ou estratégias eficazes para lidar com o discurso de ódio, sejam essas medidas de ordem jurídica (civil ou criminal) ou extrajurídica, tais como o incentivo ao contradiscurso e campanhas de combate à discriminação e ao preconceito, deve partir, primeiramente, da compreensão de que se cuida de um fe- nômeno multifacetado do ponto de vista sociológico, porque pode revestir-se de um número virtualmente infinito de formas. 2. CONCEITUANDO O DISCURSO DE ÓDIO A expressão discurso de ódio ou hate speech remete a um conceito não unívoco, de limites relativamente imprecisos, e é empregada para designar condutas expressivas muito heterogê- neas, que, quando olhadas em conjunto, não apresentam uma essência ou característica definidora. Alexander Brown observa que essa heterogeneidade própria do discurso de ódio não inviabiliza a percepção do fenômeno, que pode ser identificado através de um conjunto de características cruzadas que, em seu conjunto, formam aquilo que Wittgenstein denominou de “semelhanças de família” 1 , ou seja, um conjunto de objetos que possuem semelhanças entre si, sem compartilharem uma essência ou característica comum a todos eles 2 . Assim acontece com o conceito de discurso de ódio, que remete a diversas instâncias comunicativas assemelhadas, mas 1 Cf. A lexander B rown , “What is hate speech? Part. 2: Family Resemblances”, Law and Philosophy , Vol. 36, 2017, p. 593. 2 L udwig W ittgenstein , Investigações Filosóficas , 2. ed., Petrópolis: Vozes, 1996, par. 66, p. 51.

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