Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020  92 berdade. Historicamente, a consciência da sociedade brasileira não reconhecia a sonegação fiscal como ilícito, sendo a penali- zação vista como uma hipótese excepcional de prisão por dívi- da, o que se reflete, ainda hoje, na escassa imposição concreta de sanções penais – mais raramente ainda, penas privativas de liberdade – quanto aos crimes praticados em detrimento da or- dem econômico-tributária. 59 Ocorre que a secular complacência social commalfeitos en- volvendo tributos ou o produto de seu pagamento (ex.: sonega- ção, desvio de recursos públicos e irresponsabilidade fiscal dos governantes) vêm sendo, se não erradicada, ao menos combatida na cultura brasileira, o que se dá no contexto de um amadureci- mento, republicano e democrático, por meio do qual passa a ser reconhecida a importância do princípio da solidariedade social. Nesse ponto, a emergência da noção de cidadania fiscal fomenta uma maior participação de toda a sociedade nas discussões liga- das à justiça tributária, tanto em seu viés negativo (no tocante à limitação da carga fiscal), quanto em seu viés positivo (no tocan- te ao reconhecimento do dever fundamental de pagar tributos). 60 A crítica sobre a intervenção penal para resguardo da ordem jurídico-tributária é frequentemente baseada na genérica afirma- ção de fracasso do Direito Penal na contenção da sonegação fis- cal. 61 Entretanto, em que pese ter o Brasil a quarta maior popula- ção carcerária do mundo 62 , o número de presos ou condenados por crimes econômico-tributários é tão insignificante que sequer é buinte . In: SCHOUERI, Luis Eduardo (Coord.). Direito Tributário : homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 432. 59 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 4. ed. São Paulo: IBDT, 1976, p. 177. 60 ABRAHAM, Marcus. Curso de direito financeiro brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 53. 61 Mesmo ante sucessivos fracassos em termos de realidade empírica, uma parcela da doutrina insiste em defender a eficácia social da oferta legal de extinção da punibilidade de crimes econômico-tributários em troca da elevação da arrecadação fiscal. Sobre o tema, sustentando a legitimidade do equívoco retronarra- do: MASI, Carlo Velho. Criminalidade econômica e repatriaçao de capitais : um estudo à luz da política criminal brasileira. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012, p. 396. 62 Em junho de 2014, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão do Ministério da Justiça, divulgou o levantamento nacional de informações penitenciárias e revelou que o Brasil tinha um total de 607.731 pessoas presas, ocupando a quarta posição mundial em população carcerária, atrás apenas de EUA, China e Rússia. No entanto, o mesmo relatório demonstra que os crimes contra a ordem tributária e os crimes econômicos em geral sequer aparecem no referido registro estatístico dominado pelos tipos penais referentes ao tráfico de entorpecentes (27% dos presos), ao roubo (21%) e ao homicídio (17%). Da- dos disponíveis em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal> . Acesso em: 07/12/2015.

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz