Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020 91 Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), o candidato a anistiado terá, ainda assim, bastante tempo (até o trânsito em julgado da decisão penal condenatória) para pen- sar se vai mesmo abandonar a clandestinidade e cumprir suas obrigações fiscais ou se vai continuar apostando na prescrição ou em qualquer outra possível causa (quem sabe uma nova lei benevolente) que aniquile a possibilidade de punição criminal. Tais circunstâncias embasam a realidade de que a lei em comento neste estudo foi elaborada não para auxiliar cidadãos desejosos de reconciliação com o ordenamento jurídico, como se tentou ar- gumentar, mas sim para privilegiar criminosos dotados de poder econômico e político, o que se dá de forma irrazoável e, por con- seguinte, inconstitucional. CONCLUSÃO “Entre nós o direito penal tem sido amargo privilégio dos pobres e desfavorecidos, que povoam nossas pri- sões horríveis e que constituem a clientela do sistema. A estrutura geral de nosso direito punitivo, em todos os seus mecanismos de aplicação, deixa inteiramente aci- ma da lei os que têm poder econômico ou político, pois estes se livram com facilidade [...]” 56 Em que pese o fato de terem sido lançadas há décadas, as impressões de Fragoso sobre a criminalidade econômico-tributá- ria permanecem, lamentavelmente, atualíssimas no Brasil. Noutro giro, se, por tradição, a norma tributária é social- mente rejeitada 57 , por outro lado, o tributo vem se configuran- do, na ilustração de Ricardo Lobo Torres 58 , como o preço da li- 56 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal Econômico e Direito Penal dos Negócios , p. 03. Disponível em: <http://www.fragoso.com.br/ptbr/artigos.html> . Acesso em: 12/12/2015. 57 A altíssima carga tributária brasileira e os inúmeros episódios criminosos de desvios de recursos pú- blicos contribuem, inegavelmente, para a referida rejeição, o que não afasta a razoabilidade do reconheci- mento do dever de solidariedade inerente ao pagamento de tributos. Sobre o tema, vale a transcrição da preleção de Marcus Abraham: “Um dever em favor de si mesmo, como cidadão contribuinte e elemento integrante de uma coletividade que lhe oferece toda uma estrutura para conduzir sua vida e sobrevivência com harmonia, liberdade e satisfação. O dever de pagar tributos é o preço deste sistema.” ABRAHAM, Marcus. O planejamento tributário e o direito privado. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 59. 58 TORRES, Ricardo Lobo. Legitimação da Capacidade Contri butiva e dos Direitos Fundamentais do Contri-
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