Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020  90 Não se pode esquecer que o diploma legal em comento não obriga os contemplados pela anistia criminal a reinvestirem os recursos ocultados no mercado interno ou em qualquer ativi- dade produtiva – e nem poderia fazê-lo de forma juridicamente válida. Bastará, portanto, a mera declaração espontânea da pro- priedade sobre o patrimônio, que, dessa forma, poderá perma- necer aplicado até mesmo nos países assim chamados de “pa- raísos fiscais”. Portanto, o esperado reaquecimento da economia revelou-se como outra inverdade utilizada como argumento de manutenção da impunidade de criminosos do colarinho branco. Noutro giro, a remessa de recursos para o exterior deman- da profundo conhecimento acerca do mercado financeiro inter- nacional, bem como a imprescindível colaboração de terceiros (profissionais e instituições), além de um patrimônio de alto va- lor e razões para ocultá-lo. Será que havia mesmo milhares de brasileiros nessa peculiaríssima condição a ponto de justificar a elaboração – diga-se: com invulgar rapidez – de uma lei para socorrê-los? Em sentido contrário, a atual situação político-eco- nômica do Brasil permite bem enxergar que os sucessivos paco- tes de bondades – tributárias e penais – têm atendido, isso sim, a megadevedores contumazes que logram influir nas mais altas esferas da República e legislar em causa própria. 55 É importante frisar que não se ignora a utilidade do instituto da anistia criminal para a pacificação de algumas situações em determinados momentos históricos. No entanto, tal fenômeno deve ser amparado em amplo consenso social para que possa, le- gitimamente, afastar a força obrigatória da norma penal em prol de valores verdadeiramente mais relevantes, o que está longe de se verificar na hipótese. Destaque-se, por fim, que, diante da redação do artigo 5º, § 1º, da Lei n. 13.254/2016, após aderir formalmente ao malsinado 55 À guisa de ilustração, cite-se o fato de que o atual relator da medida provisória que se encontra em apre- ciação no Congresso Nacional e que tratará de mais uma versão do REFIS, o Deputado Newton Cardoso Filho, tratou de ampliar, em prol de inadimplentes, o pacote de benesses que já constava no texto original, fazendo com que, se aprovado, fosse gerado um prejuízo aos cofres públicos da ordem de dez bilhões de reais. O dado inusitado dessa iniciativa fica por conta do fato de que o referido parlamentar-relator é sócio de empresas que devem à União Federal mais de cinquenta milhões de reais em tributos. Cf. dados dispo- níveis em: Jornal O Globo, p. 38, de 13/08/2017.

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