Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020 86 inconstitucionais atos do Poder Público que retirem ou vulnerem a eficácia de normas (inclusive, penais) que garantam a obser- vância de direitos fundamentais titulados pela coletividade. É desprovida de fundamento eventual alegação de que a defesa da face penal do princípio da vedação ao retrocesso social engessaria a atividade legislativa. O repensar sobre o tamanho do Estado – abrangendo inclusive a intervenção penal para tute- la do custeio de suas obrigações – continua sendo viável, desde que medidas substitutivas compensem, de forma comprovada- mente efetiva ou equivalente, a norma revogada ou mitigada a fim de que não haja prejuízo, risco ou retrocesso na garantia de direitos sociais. Por óbvio, o dinheiro público não nasce em árvores e o des- falque no pagamento de tributos provoca efeitos deletérios não somente sobre a continuidade dos serviços públicos, mas tam- bém acarreta a necessidade de elevação da carga tributária e a desigual distribuição do ônus fiscal. Dessarte, sem a garantia de mecanismos equivalentes com- pensatórios, atos legislativos tendentes a retirar a proteção penal estabelecida em prol de direitos sociais e dos recursos imprescin- díveis à sua respectiva observância são inconstitucionais e, por conseguinte, devem ser submetidos às consequências decorrentes dessa situação, entre elas: (1) a invalidação em sede de controle abstrato de constitucionalidade por meio de ação direta de incons- titucionalidade (art. 102, I, “a” CR/88) e (2) a não aplicação da lei revogadora ou mitigadora por parte dos órgãos jurisdicionais, no exercício do controle difuso de constitucionalidade. À vista do exposto, deve ser afirmada a inconstituciona- lidade da extinção da punibilidade dos crimes fiscais com base no pagamento a posteriori do tributo, sobretudo se tal quitação se deu após o recebimento da denúncia. Ressalte-se, ainda sobre esse ponto, a incongruência decorrente da não aplicação do mes- mo tratamento privilegiado para os delitos contra o patrimônio 47 , 47 Vide o disposto no artigo 16 do Código Penal/1940, que disciplina o instituto do arrependimento posterior, aplicável aos crimes patrimoniais comuns. Trata-se de benesse bem menos indulgente se comparada à exclusão integral da punibilidade, que, farta e frequentemente, é ofertada pelo legislador brasileiro a delinquentes dotados de poderio econômico e político. Confira-se a respectiva redação do
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