Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020  84 tributária 41 , principalmente da forma descontrolada e arbitrária como vem sendo feita. Pode-se citar, como exemplo mais gritante de irrazoabili- dade vigente nessa temática, a edição da Lei n. 10.684/2003, que permitiu a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo em qualquer tempo, ou seja, mesmo após eventual condenação no âmbito criminal. 42 Trata-se de norma não apenas inconstitu- cional, mas imoral, eis que cria uma linha divisória entre crimi- nosos miseráveis e os que podem pagar para se livrar da respon- sabilidade penal. Fato é que o vigente tratamento privilegiado conferido à so- negação fiscal é injusto e anti-isonômico, além de contribuir para o descrédito das instituições de persecução penal e estimular o desprezo social por normas tributárias e criminais. No cenário atual, fomenta-se a crença de que o crime econômico-tributário compensa, fazendo do magistrado um caricato cobrador de tri- butos e, da denúncia, um mero carnê de cobrança. 43 Diante dessa lamentável realidade, pode-se afirmar que ludibriar autoridades e desdenhar da legislação fiscal continuam sendo um grande e lucrativo negócio no Brasil. 41 Neste sentido, confira-se a seguinte preleção: “No mundo moderno, observamos uma profunda mo- dificação na maneira de pensar dos povos em relação à delinquência fiscal. Enquanto há alguns pares de anos o sonegador era considerado quase um herói, hoje a consciência social o reprova de maneira extraor- dinária. Os povos compreenderam que é muito mais eficiente lutar contra a sonegação do que adotar a cômoda política de combater o déficit público através da contenção de gastos. Especialmente em países como o Brasil, que vive em permanente estado de crise econômica. A danosidade da criminalidade fiscal é mais agudamente captada pelos agentes sociais. Destaque-se ainda que o desvalor ético da sonegação é percebido por todas as camadas sociais, e não apenas por aquelas menos poderosas.” ARAUJO JUNIOR, João Marcello de . Dos crimes contra a ordem econômica . São Paulo: RT, 1995, p. 155. 42 Inicialmente, o art. 34 da Lei n. 9.249/95 permitiu a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária desde que pagamento do tributo ocorresse antes do recebimento da denúncia. Posteriormente, o art. 9º, parágrafo 2º da Lei n. 10.684/2003 estabeleceu que o pagamento ou parcelamento efetuados a qualquer tempo funcionariam, respectivamente, como causas de extinção e suspensão da pretensão puni- tiva. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tratou de alargar ainda mais a porta da impunidade ao permitir o afastamento do castigo penal mesmo que o pagamento se dê após o trânsito em julgado da sentença condenatória (Vide a decisão proferida no HC n. 232.376, STJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ: 15/06/2012). Tal aberração tem causado imensa perda de tempo e de recursos orçamentários, além de provocar a desmoralização institucional e o descrédito social em desfavor dos órgãos de persecução penal, em particular, do Poder Judiciário. Noutro giro, a infeliz mensagem que fica para a população é a de que os contribuintes que, por anos a fio, insistiram em burlar a ordem jurídica podem livrar-se da responsabi- lidade criminal desde que, literalmente, tenham condições de pagar por isso. 43 FELDENS, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crimes do colarinho branco : por uma relegitimação da atuação do Ministério Público: uma investigação à luz dos valores constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 199.

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