Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020 83 manha, proferida em 25/02/1975, a qual declarou a inconstitu- cionalidade da lei de reforma do Código Penal (de 18/06/1974) em relação à descriminalização do aborto, ainda que praticado durante os três primeiros meses de gestação. Nessa ocasião, fi- xou-se a irrevogabilidade da punição ao aborto e, por conseguin- te, o reconhecimento implícito da obrigatoriedade da manuten- ção da proteção penal sobre o direito à vida. Trata-se, portanto, de um imperativo de tutela baseado na dimensão objetiva dos direitos fundamentais (teoria dos deveres de proteção) e, em úl- tima análise, no princípio da razoabilidade sob a versão da proi- bição de proteção penal deficiente. É importante fixar que o objeto de proteção do Direito Pe- nal Econômico-Tributário é composto por uma determinada po- lítica econômica e fiscal. 38 Revela-se, por conseguinte, descabido restringir a finalidade da intervenção penal nessa seara à tutela do mero interesse arrecadatório. 39 Embora surgida como critério negativo de limitação do Direito Penal, a função de proteção de bens jurídicos tem se convertido em critério positivo 40 , ou seja, determinante de decisões criminalizadoras, o que se dá em ab- soluta conformidade com o ideal neoconstitucionalista. Conso- lida-se, dessarte, a legitimidade da incriminação da sonegação tributária e, pelas mesmas razões, a invalidade constitucional da descriminalização de condutas que violam a ordem econômico- 38 Sobre o tema, eis a apreciação de José Maria de Castro Panoeiro: “Desde a antiguidade, as teses do Direito Penal Econômico foram compreendidas como Direito Penal de tempos de crise e um Direito Penal relacionado à repressão dos abusos do poder econômico. Contudo, no panorama contemporâneo, não parece conveniente vincular esse ramo do Direito, tal como se procedeu no contexto nas Guerras Mun- diais, do século passado e muito menos aos regimes totalitários, embora estes sejam dados históricos. Parece mais coerente situá-lo no âmbito das transformações socioculturais e ideológicas que propiciam nova fisionomia às sociedades e, por via de consequência, aos Estados.” PANOEIRO, José Maria de Castro. Política criminal e direito penal econômico : um estudo interdisciplinar dos crimes econômicos e tributários. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2014. 39 Sobre a referida interpretação restritiva da política criminal em torno da criminalidade fiscal, eis a impressão de Andrei Zenkner Smith: “Os anseios arrecadatórios do Estado globalizante vislumbraram, no Direito Penal, um instrumento de prima ratio no combate à evasão fiscal. Consequentemente, interessa ao Estado muito mais recuperar os tributos sonegados do que, propriamente, prevenirem-se sonegações futuras. Ora, se esta é a política criminal adotada, então resta claro que as justificativas fornecidas pela lei tributária para o ilícito fiscal, por também estruturarem-se a partir de finalidades primordialmente arreca- datórias, devem contaminar o ilícito penal equivalente.” SMITH, Andrei Zenkner. Exclusão da punibilidade em crimes de sonegação fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 181/182. 40 Neste diapasão, eis o dizer de Fausto Martin de Sanctis: “O que classicamente se formulou para a limitação da ação do legislador mediante o sistema de proteção de bens jurídicos converteu-se agora em uma exigência para que penalize determinadas condutas [...]” . DE SANCTIS, Fausto Martin. Direito penal tributário... op. cit., p. 22.
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