Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020  81 quanto à estipulação de causas de extinção da punibilidade, deve ocorrer à luz do duplo viés do princípio de razoabilidade, ou seja, abrangendo a vedação de eventual excesso criminalizante, mas, com igual vigor, a vedação de descriminalizações que ve- nham a resultar na insuficiência da proteção estatal disposta em favor de determinados interesses essenciais. 30 Nesse preciso tom, mesmo reconhecendo a liberdade de conformação do legislador, tanto o Supremo Tribunal Federal 31 quanto a Corte Interameri- cana de Direitos Humanos 32 reconhecem que o princípio da pro- porcionalidade serve de duplo limite para a atividade legislativa em matéria penal, abrangendo, nesse ponto, a tutela dos valores fundamentais supraindividuais. 33 Nesse prisma, o Estado viola a Constituição tanto ao se omitir na elaboração de normas penais protetivas de interesses relevantes para a coletividade, quanto ao revogar a proteção nor- mativa já estabelecida em favor de bens socialmente titulados, o que pode ocorrer na seara criminal por meio da não tipificação de condutas lesivas ou atentatórias a tais valores, pela brandura do 30 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo Baltazar. Crime organizado e proteção de insuficiência. Porto Alegre: Li- vraria do Advogado, 2010, p. 49/74. 31 Confira-se o trecho da respectiva ementa: “[...] Mandatos Constitucionais de Criminalização: AConstitui- ção de 1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção ( Eingriffsverbote ), expressando também um postulado de proteção ( Schutzgebote ). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso ( Übermassverbote ), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela ( Untermas- sverbote ). Os mandatos constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente [...] O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso ( Übermassverbot ) e como proibição de proteção deficiente ( Untermassverbot ) –, deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais.” SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus n. 104.410/Rio Grande do Sul. Segunda Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ 06/03/2012. Disponível em: <www.stf.jus.br> . Acesso em: 31/07/2017. 32Assim restou decidido nos casos Ximenes Lopes vs . Brasil e Garibaldi vs. Brasil, julgados, respectivamen- te, em 04/07/2006 e 23/09/2009. Dados disponíveis em: <www.corteidh.or.cr >. Acesso em: 31/07/2017. 33 Sobre o tema: GUARANI, Fábio André; SANTANA, Vanessa Milene. Princípio da vedação de proteção deficiente de vítimas em matéria penal: dois casos emblemáticos da corte interamericana de direitos hu- manos. In: CAMBI, Eduardo; GUARANI, Fábio André (Coord.). Ministério Público e princípio da proteção eficiente . São Paulo: Almedina, 2016, p. 202.

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