Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020  80 Como decorrência lógica dessa premissa, recaem sobre o Estado os assim chamados imperativos de tutela, ou seja, deve- res indeclináveis de agir para evitar violação de interesses fun- damentais. As pontuais obrigações de incriminação expressas no texto constitucional (ex.: artigo 5º, XLIII) nada mais são senão uma claras manifestações da teoria dos deveres estatais de prote- ção pertinentes ao campo penal 29 , o que se verifica sem prejuízo do dever de proteção de outros bens jurídicos de índole constitu- cional que, mesmo tácitos, por sua essencialidade à garantia da preservação da dignidade humana e da vida pacífica em socie- dade, gozam de igual e indeclinável merecimento de tutela por meio do Direito Penal. A tipificação de delitos e a fixação de penas proporcionais constituem mecanismos – ainda que subsidiários – de proteção a direitos fundamentais. Sendo assim, a análise pelo Poder Legis- lativo quanto à criação ou revogação de tipos penais, bem como cas, confira-se o dizer de Robert Alexy: “Segundo a jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional Federal, as normas de direitos fundamentais contêm não apenas direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra o Estado, elas representam também uma ordem objetiva de valores, que vale como decisão consti- tucional fundamental para todos os ramos do direito, e que fornece diretrizes e impulsos para a legislação, a Administração e a jurisprudência.” ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 524/525. Sobre o assunto, vale conferir a explanação de Ingo Wolfgang Sarlet: “Assim, num sentido negativo (ou proibitivo), já se referiu a proibição da edição de atos legislativos contrários às normas de direitos fundamentais, que, sob este ângulo, atuam como normas de competência negativas. Na sua acepção positiva, a vinculação do legislador implica um dever de con- formação de acordo com os parâmetros fornecidos pelas normas de direitos fundamentais e, neste sentido, também um dever de realização destes, salientando-se, ademais, que, no âmbito de sua faceta jurídico-ob- jetiva, os direitos fundamentais também assumem a função de princípios informadores de toda a ordem jurídica. É justamente com base na perspectiva objetiva dos direitos fundamentais que a doutrina alemã entendeu que o legislador possui deveres ativos de proteção, que englobam um dever de aperfeiçoamento ( nachkbesserungsplichten ) da legislação existente, no sentido de conformá-la às exigências das normas de direitos fundamentais.” SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 343/344. 29 Eis a explanação doutrinária sobre a lógica da teoria dos deveres de proteção e o mandamento de pro- teção penal eficiente a direitos fundamentais: “O Estado, enquanto detentor do monopólio da força, veda ao particular a prática da autodefesa. Como contraparte, obriga-se a zelar pela proteção dos membros da sociedade contra as ameaças e violações advindas de outros membros. Nessa esteira, o dever de prote- ção torna-se uma ´contraprestação´ do Estado em relação ao cidadão que confiou sua liberdade em troca de segurança. [...] Inicialmente, o princípio da proporcionalidade era utilizado apenas contra os excessos praticados pelo Estado (proibição de excesso), mas, diante dos mandamentos constitucionais de Estado Democrático, passa a ser obrigatório reconhecê-lo em mais extenso sentido, devendo abranger o dever de proteção eficiente (vedação da proteção deficiente) por parte do Estado no tocante às agressões advindas de terceiros contra direitos fundamentais. Estes terceiros podem ser particulares, outros Estados, mesmo pessoas jurídicas de direito privado, como empresas.” GUARANI, Fábio André; SANTANA, Vanessa Milene. Modelos de estado e emergência do princípio constitucional da vedação de proteção deficiente em matéria penal e extrapenal. In: CAMBI, Eduardo; GUARANI, Fábio André (Coord.). Ministério Público e princípio da proteção eficiente . São Paulo: Almedina, 2016, p. 165.

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