Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020 76 Conclui-se, portanto, em consonância com a moderna doutrina 16 , que o Direito Penal Econômico-Tributário tem por finalidade a proteção de bens jurídicos coletivos e fundamentais, tais como: a regularidade da arrecadação fiscal; a higidez da ordem normati- va tributária; a equitativa distribuição do ônus de pagar tributos e – em derradeira, mas não menos importante perspectiva – o custeio da efetivação dos direitos sociais pelo Estado. Todos es- ses objetivos relacionam-se, direta ou indiretamente, com o valor constitucional da dignidade humana. Nesse aspecto, na condição de fundamento da República Federativa do Brasil (cf. artigo 1º, III da CR/88), Luís Roberto Barroso 17 destaca a face comunitária da noção de dignidade hu- mana, que se encontra profundamente relacionada com a temá- tica abordada no presente estudo ao legitimar a constrição da liberdade individual em prol da proteção do dever de solidarie- dade social. É na esteira desse raciocínio e fundamentado, por- tanto, no sentido comunitário da dignidade humana, que o orde- namento penal econômico-tributário cumpre o que, na síntese de Claus Roxin 18 , é denominado de função social do Direito Penal. 16 Nesse sentido: MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 20 e RIOS, Rodrigo Sánchez. O crime fiscal. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998, p. 50. 17 Vale transcrever a respectiva preleção: “O terceiro e último conteúdo - a dignidade como valor comuni- tário, também referida como dignidade como heteronomia - abriga o seu elemento social. O indivíduo em relação ao grupo. Ela traduz uma concepção ligada a valores compartilhados pela comunidade, segundo seus padrões civilizatórios ou seus ideais de vida boa. O que está em questão não são escolhas individuais, mas as responsabilidades e deveres a elas associados. Como intuitivo, o conceito de dignidade como valor comunitário funciona muito mais como uma constrição externa à liberdade individual do que como um meio de promovê-la. Em outras palavras: a dignidade, por essa vertente, não tem na liberdade seu com- ponente central, mas, ao revés, é a dignidade que molda o conteúdo e o limite da liberdade. A dignidade como valor comunitário destina-se a promover objetivos diversos, dentre os quais se destacam: a) a prote- ção do próprio indivíduo contra atos autorreferentes; b) a proteção de direitos de terceiros; e c) a proteção de valores sociais, inclusive a solidariedade.” BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo : natureza jurídica, conteúdos mínimos e critérios de aplicação, p. 27 . Disponível em: <www.luisrobertobarroso.com.br >. Acesso em: 12/12/2015. 18 Eis o respectivo trecho: “Eu parto de que as fronteiras da autorização de intervenção jurídico-penal devem resultar de uma função social do Direito Penal. O que está além desta função não deve ser logi- camente objeto do Direito Penal. A função do Direito Penal consiste em garantir a seus cidadãos uma existência pacífica, livre e socialmente segura, sempre e quando estas metas não possam ser alcançadas com outras medidas político-sociais que afetem em menor medida a liberdade dos cidadãos.” ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 16/17. No mesmo sentido, Greco define os bens jurídico-penais assim chamados universais como “dados fundamentais para a realização pessoal dos indivíduos ou para a subsistência do sistema social, compatíveis com a ordem constitucio- nal”. GRECO, Luís. Breves reflexões sobre os princípios da proteção de bens jurídicos e da subsidiariedade no direito penal... op. cit., p. 409.
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