Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020  75 de constituições dirigentes, segundo a expressão cunhada por Canotilho 12 , transformaram-se em locus do novo perfil do Esta- do e do Direito, preocupados agora não apenas com a proteção do indivíduo, mas também com o resguardo da comunidade a partir da contemplação de novas gerações ou dimensões 13 de di- reitos fundamentais. Foi então que, a partir de meados da década de 1970, a no- ção de bem jurídico passou a abranger também, para além da proteção à liberdade e ao patrimônio individuais, a preservação de interesses titulados pela coletividade, tais como, por exemplo, o regular funcionamento da ordem econômica e o sistema de ar- recadação tributária essencial ao custeio das atividades estatais exercidas em prol da coletividade. Vale frisar que os valores enfatizados nessa nova perspec- tiva não constituem fruto de mera arbitrariedade 14 ou de criação artificial por parte do legislador 15 , mas são decorrências naturais da adequação do Direito Penal à sociedade contemporânea e ao Estado Democrático de Direito delineado pela Constituição. 12 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 27. 13 A utilização da expressão “gerações” de direitos fundamentais propicia a falsa noção de sucessão de uma categoria por outra, motivo que torna preferível a expressão “dimensões” de direitos fundamentais de forma a melhor espelhar a concomitância da existência e o nivelamento da importância de todas as cate- gorias de direitos fundamentais. Há quem se refira a “direitos humanos sequenciais”. Neste sentido: BAR- RETO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 12. 14 Sobre o assunto, confira-se o dizer de João Marcello de Araujo Junior: “Nos Estados Democráticos de Direito os abismos sociais devem ser eliminados e as desigualdades corrigidas. Nesse tipo de Estado pro- clama-se o dever dos poderes públicos de promover as condições para que a liberdade e a igualdade sejam reais e efetivas. No Estado Democrático de Direito, a imagem abstrata do homem livre e igual é substituída pela do homem condicionado e desigual. A imagem do homem própria do Estado Democrático de Direito é a do homem situado, do homem nas suas condições concretas: do homem em seu posto de trabalho, como trabalho dependente; do homem como participante da ordem econômica, afeta a fins sociais; do homem como consumidor; do homem em seu ambiente. Este o motor normativo da transformação do catálogo de bens jurídicos, que experimentam os Códigos Penais [...] Assim sendo, os bens jurídicos a serem selecionados pela lei penal não se limitammais aos ‘naturais’ e ao patrimônio individual. A inserção social do homem é muito mais ampla, abrangendo todas as facetas da vida econômica. Daí um novo bem jurídico: a ordem econ ômica, que possui caráter supraindividual e se destina a garantir a política econômica do Estado, além de um justo equilíbrio na produção, circulação e distribuição da riqueza entre os grupos sociais. Esse bem jurídico, entretanto, não é arbitrário, pois decorre do tipo de Estado definido nas Cons- tituições.” ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. O Direito Penal Econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 7. N. 25. São Paulo: RT, janeiro-março/1999, p. 150/151. 15 MUÑOZ CONDE, Francisco. Principios políticocriminales que inspiran el tratamiento de los delitos contra el orden socioeconómico em el proyecto de codigo penal español de 1995. Revista Brasileira de Ciên- cias Criminais. Ano 3. N. 11. São Paulo: RT, julho-setembro/1995, p. 10 e 48. No mesmo sentido: PEÑACA- BRERA, Raul. El bien juridico en los delitos económicos (con referencia al codigo penal peruano). Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 3. N. 11. São Paulo: RT, julho-setembro/1995, p. 48.

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