Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020 73 Com efeito, o mecanismo da filtragem constitucional, ins- trumento hermenêutico que alcançou notável relevância na vi- gente era do Direito Penal Constitucional, consiste na imposição de releitura e de readaptação da ordem jurídico-normativa sob o filtro axiológico composto pelos valores, expressa ou implicita- mente, albergados na Constituição. 7 Assim sendo, a Constituição deve ser contemplada como a primeira manifestação da política criminal do Estado e, portanto, dela deve partir toda a planifica- ção normativa de índole penal . 8 Diante desse novo cenário, a Constituição figura como pauta a ser observada pelo legislador penal em dois aspectos: (1) como limite ao jus puniendi , ou seja, como parâmetro de proibição de determinadas criminalizações e (2) como critério determinador da proteção jurídico-penal a determinados inte- resses, valores e bens de notória relevância. 9 Dessarte, o Direito produtora e a distribuidora do filme obtiveram, em primeiro grau de jurisdição, decisão favorável na qual se determinou a cessação de tal conduta. O Tribunal Constitucional Federal reformou a decisão, fixando que o direito fundamental à liberdade de pensamento e expressão deveria fundamentar a interpretação das normas do Código Civil acerca de responsabilidade patrimonial e não o inverso. Ibid., p. 355. 7 Sobre o tema, eis a impressão de Paulo Ricardo Schier: “Utiliza-se a expressão ´Filtragem Constitucional´ em virtude de que ela denota a ideia de um processo em que toda a ordem jurídica, sob a perspectiva formal e material, e assim, os seus procedimentos e valores, deve passar sempre e necessariamente pelo filtro axiológico da Constituição Federal, impondo, a cada momento de aplicação do Direito, uma relei- tura e atualização de suas normas. A expressão, ademais, foi utilizada pela primeira vez no Brasil, com este sentido, pelo Prof. Dr. Clemerson Merlin Clève [...]”. SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional : construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 104. As premissas decorrentes deste movimento são condensadas nos seguintes termos: “(i) todas as normas in- fraconstitucionais devem ser interpretadas no sentido mais concordante com a Constituição – primado da interpretação conforme; (ii) as normas de direito ordinário desconformes com a Constituição são inválidas, não podendo ser aplicadas pelos tribunais e devendo ser anuladas pelo Tribunal Constitucional e (iii) salvo quando não são exequíveis por si mesmas, as normas constitucionais aplicam-se diretamente, mesmo sem lei intermediária, ou contra ela e no lugar dela (...)”. Ibid., p. 146. 8 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1999, p. 135. No mesmo sentido, Cezar Roberto Bittencourt discorre sobre o tema: “Enquan- to o Poder Legislativo não elaborar as necessárias e indispensáveis readaptações, cabe ao Poder Judiciário, em sua função integradora e transformadora, típica do Estado Democrático de Direito, efetuar as correções (adaptações) das leis, utilizando-se para tal dos modernos mecanismos hermenêuticos, como a interpreta- ção conforme a Constituição ( Verfassunskonforme Auslegung ), a nulidade parcial sem redução de texto ( Teil- nichtigerklärung ohne Normtextreduzierung ) e a declaração da inconstitucionalidade das leis incompatíveis com a Constituição [...].” BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial. V. 3. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 56. 9 Eis a percepção de Luciano Feldens acerca do assunto: “[...] importa ressaltar que as conexões entre a Constituição e o Direito Penal não se reduzem ao estabelecimento, por aquela, de limitações ao direito de punir. Para além de estabelecer-se como limite material ao jus puniendi , a Constituição figura como fonte valorativa e mesmo como fundamento normativo do Direito Penal incriminador; é dizer, funciona não apenas para proibir, senão também para legitimar, e eventualmente impor, em situações determinadas ou determináveis, a proteção jurídico-penal de bens jurídicos, notadamente quando conectados à catego- ria dos bens ou interesses investidos de nota da fundamentalidade.” FELDENS, Luciano. A conformação
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