Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 69-99, Setembro-Dezembro. 2020  72 em especial do Direito Constitucional. Com efeito, percebe-se que o Estado vem se desprendendo da posição de adversário das liberdades, tornando-se, ao revés, um instrumento imprescindí- vel de sua concretização. Nessa perspectiva, os direitos funda- mentais deixam de ser exercidos apenas contra o Estado e pas- sam a ser efetivados por meio dele. 3 Com efeito, a função estatal inerente à promoção de direitos fundamentais não é cumprida apenas por meio da organização institucional, mas induz igualmente à exigência de que a prote- ção de interesses constitucionais envolva a criação e manutenção eficaz de sistemas sancionatórios, isso com o fim de garantir a legítima expectativa de exercício equilibrado e igualitário das li- berdades econômicas por todos os membros da sociedade. 4 Modernamente, já não é possível desatrelar o Direito Penal do modelo de Estado constitucionalmente assumido, sendo certo que todos as discussões pertinentes à questão criminal devem manter estreita conexão com o Direito Constitucional e a teoria geral do Estado. 5 Nesse ponto, a locução constitucionalização do Direito preconiza a projeção dos interesses constitucionalmen- te consagrados sobre todos os ramos do ordenamento jurídico, configurando um autêntico reflexo do hodierno movimento de revalorização do princípio da supremacia da Constituição. 6 3 ANDRADE, Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 4. ed. Coimbra: Alme- dina, 2008, p. 49/50. 4 CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e crime : uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995, p. 287. 5 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal : parte geral: tomo I: questões fundamentais: a doutrina geral do crime. São Paulo: RT, 2007, p. 14. 6 O ponto de partida da discussão em torno do fenômeno da constitucionalização do Direito se deu na Alemanha, sendo esclarecedora a lição de Luís Roberto Barroso a respeito: “Há razoável consenso de que o marco inicial do processo de constitucionalização do Direito foi estabelecido na Alemanha. Ali, sob o regime da Lei Fundamental de 1949 e consagrando desenvolvimentos doutrinários que já vinham de mais longe, o Tribunal Constitucional Federal assentou que os direitos fundamentais, além de sua dimensão subjetiva de proteção de situações individuais, desempenham uma outra função: a de instituir uma ordem objetiva de valores. O sistema jurídico deve proteger determinados direitos e valores, não apenas pelo eventual proveito que possam trazer a uma ou a algumas pessoas, mas pelo interesse geral da sociedade na sua satisfaç ão. Tais normas constitucionais condicionam a interpretação de todos os ramos do Direito, pú- blico ou privado, e vinculam os Poderes estatais. O primeiro grande precedente na matéria foi o caso Lüth, julgado em 15 de janeiro de 1958.” BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo : os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 355. O fato citado diz respeito a Erich Lüth que, na condição de presidente do clube de Imprensa da cidade de Hamburgo, Alemanha, incitava o boicote ao filme intitulado “O amante imortal”, dirigido por Veit Harlan e que teria conteúdo aparentemente antissemita, o que justificava a ligação deste cineasta com o regime nazista. A

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