Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 286-310, Setembro-Dezembro. 2020  304 na doutrina francesa da délégation de matières, adotado na jurispru- dência do Conselho de Estado em dezembro de 1907 28 . Pois bem. No campo da função regulatória de índole nor- mativa, parece ser do Poder Legislativo a competência para con- trolar o excesso eventual de poder normativo das agências regu- ladoras, à luz do que dispõe o artigo 49, inciso V, da Constituição da República de 1988 29 . Ao Tribunal de Contas, verificando o ex- cesso, deverá suscitar o controle parlamentar, ou, quando muito, fazer um juízo de reprovabilidade da conduta tendo por funda- mento o princípio da legalidade 30 . IV- O SISTEMA DE REGULAÇÃO COOPERATIVA E OS TRI- BUNAIS DE CONTAS – COMPATIBILIDADE POSSÍVEL DA LEI FEDERAL Nº 13.848/2019 COM A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 Conforme já referido, a Lei Federal nº 13.848/2019 inovou ao prever, em seus artigos 34 e 35 31 , de forma genérica e aplicável a to- 28 Tal como aqui, nos Estados Unidos da América, quando do surgimento das agências reguladoras, ques- tionava-se a constitucionalidade das delegações normativas feitas pelo Poder Legislativo, sob a alegação de que restariam violados os princípios da separação de poderes e da legalidade. No entanto, aos poucos evoluiu a interpretação das normas constitucionais americanas por parte do Poder Judiciário e passou-se a admitir a deslegalização, como bem informa Leila Cuéllar, no profundo estudo acerca do poder norma- tivo das agências reguladoras americanas : “Inicialmente os tribunais norte-americanos entenderam que o Poder Legislativo, delegado ao Congresso pela Constituição, não poderia ser delegado. Consagrou-se, assim, o princípio da não delegação (non-delegatio ), segundo o qual qualquer delegação de poder norma- tivo pelo Poder Legislativo seria inconstitucional . Ao que tudo indica, a doutrina da não delegação não perdurou em virtude de razões práticas. Além da necessidade que tinham as agências em editar normas, para implementar as políticas públicas, o Poder Legislativo não possuía condições para legislar sobre todas as matérias relativas às agências, precipuamente face ao volume e à especificidade das mesmas. Aos poucos o Poder Judiciário foi admitindo a delegação de poderes legislativos e também foi ampliando as hipóteses em que era permitida. A partir da decisão prolatada no caso United States v. Curtiss-Wright Export Co., de 1936, os tribunais opinaram em favor da delegação de poderes por parte do Congresso norte-americano, desde que este fixasse ‘standards’ com significado determinável (meaningful standards) para guiar os administradores. Trata-se da teoria denominada de ‘intelligible principle’. Para esta doutrina, destaca Carbonell Porras, admitem-se amplas cessões de poder por parte do Congresso sempre que ele tenha predeterminado o alcance do poder que transfere, assinalando uma dire- triz legislativa suficientemente clara e concreta, para que a agência atue segundo a vontade do legislador, com a mínima discricionariedade”. Poder Nor- mativo das Agências Reguladoras Norte-Americanas . In: Revista de Direito Administrativo . Rio de Janeiro, v. 229, jul./set. 2002, p. 153-176. 29 Eis a dicção do dispositivo constitucional: “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (…); V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitemdo poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. 30 Esse , ao que parece, não é o entendimento que vem sendo adotado pelo TCU, eis que no Acórdão 1.704/2018, julgado pelo Plenário em 25/07/2018, ao analisar controvertidas questões do setor portuário (dentre as quais a possibilidade de cobrança do Terminal Handling Charge 2 - THC2), fixou entendimento de que é “possível a expedição de determinação pelo TCU para a correção de ato normativo elaborado por agência reguladora quando verificada ineficácia nas ações de regulação ou omissão no tratamento concedido à matéria sob sua tutela, sem que isso caracterize intromissão na autonomia funcional da agência”. 31 Art. 34. As agências reguladoras de que trata esta Lei poderão promover a articulação de suas atividades

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