Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 286-310, Setembro-Dezembro. 2020 302 compatibilizem a atuação das Cortes de Contas sobre as agências reguladoras, sem que se tenha sobreposição de funções técnicas. Assim, possível concluir que sob a perspectiva formal , será amplo o espectro de controle de legalidade dos atos finalís- ticos das agências reguladoras pelos Tribunais de Contas, decla- rando-se a invalidade de atos que não respeitem o procedimento para sua edição ou que violem as leis ou as Constituições Fede- ral ou Estadual 22 , conforme autoriza o artigo 71, X, da CRFB/88. Mencione-se, como exemplo, ato regulatório que, sem respeitar o devido processo legal, constitua um crédito para empresa con- cessionária de serviço público sem integrar o poder concedente ao processo administrativo regulatório. A nulidade parece evi- dente e constitui crédito contra o Poder Público e, consequente- mente, ocasiona dano ao erário 23 . Mais complexas afiguram-se as hipóteses de controle em uma perspectiva material , onde não se identifica vício pro- cedimental no ato regulatório. Nesses casos, o dever de defe- rência à atuação discricionária técnica 24 das agências reguladoras permitirá aos Tribunais de Contas as controlarem em suas ati- vidades finalísticas apenas em situações excepcionais, em que os atos regulatórios se mostrarem manifestamente despropor- cionais à luz das técnicas disponíveis à compreensão da matéria regulada, e que violarem os vetores de controle estabelecidos no artigo 70 da CRFB/88, quais sejam, economicidade e legi- 22 A Súmula 347 do STF expressamente admite que os Tribunais de Contas exerçam controle de constitucio- nalidade de leis e atos da administração pública. Entretanto, em decisões monocráticas, alguns Ministros têm expressado entendimento em sentido contrário, isto é, pela impossibilidade de as Cortes de Contas realiza- rem controle de constitucionalidade. Veja-se, por exemplo, o MS 25.888 – Relator Ministro Gilmar Mendes. 23 Essa situação concreta foi vivenciada pelo autor deste trabalho, quando de sua atuação na defesa do Estado do Rio de Janeiro nos autos da ação rescisória nº 0035356-42.2009.8.19. 0000, julgada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 24 A professora espanhola Eva Desdentado Daroca bem detalha o conceito de discricionariedade técnica: “Em conclusão, a discricionariedade técnica outorga à Administração um poder, ainda que se trate de um poder diferente daquele que lhe atribui a discricionariedade administrativa, porque não é um poder para a apreciação do interesse público concreto, se não que unicamente para levar a cabo uma valoração de fatos, que se reserva com exclusividade à Administração e que os tribunais não podem suplantar. (…). As diferenças entre ambas podem ser resumidas da seguinte forma: 1) na discricionariedade técnica não há nunca ponderação nem eleição de interesses; 2) na discricionariedade técnica a Administração recorre a utilização de critérios técnicos; e 3) enquanto na discricionariedade administrativa convivem juízo e von- tade, na discricionariedade técnica se realiza uma atividade de mero juízo em que a vontade não intervém de forma alguma” (DAROCA, Eva Desdentado. Los problemas del control judicial de la discrecionalidad técnica: un estudio crítico de la jurisprudencia. Madri: Civitas, 1997. p. 35-37).
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