Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 261-285, Setembro-Dezembro. 2020 277 Por esse princípio da benignidade, compreendido do ponto de vista processual penal, devem ser extraídas algumas situações em que direitos fundamentais do acusado ou prejudiciais à sua defesa sejam maltratados pela lei processual nova. Nesse caso, é recomendável reconhecer a ultratividade, ainda que parcial, da lei derrogada, da mesma forma que, se mais benéfica a lei proces- sual penal nova, deve ser aplicada desde logo. Pensamos que isso tem muito mais a ver com as garantias constitucionais do que propriamente com o direito processual. Aliás, há longo tempo, o saudoso Professor Roberto Lyra ensi- nava que os preceitos jurídicos que regulam a validade da lei penal no tempo (e também no espaço e em relação às pessoas) regulam-se pelo Direito Constitucional, quando este traça os princípios básicos da nação. Quando a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XL, diz que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, está estabelecendo o princípio da irretroatividade das leis penais lato senso, abrangendo as nor- mas do direito penal, do direito processual penal e do direito executório penal. Em princípio, portanto, tanto a lei penal quanto a lei pro- cessual penal têm aplicação imediata e não retroativa. Aquela retroagirá, se mais benéfica; esta incidirá de imediato ou ensejará uma parcial ultratividade da lei revogada. É por isso que não se pode deixar de considerar a inaplicabilidade in pejus de normas, ainda que exclusivamente processuais, o que pode ocorrer no campo das normas instru- mentais-materiais. As normas instrumentais-materiais são aquelas que tratam dos direitos, deveres, poderes e obrigações das partes. Quando, de acordo com norma instrumental-material, já há uma situação jurídico-processual constituída, a aplicação imediata da lei nova poderia colidir com a norma constitucional do art. 5º, XXXVI, segundo a qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídicoperfeito e a coisa julgada”, admitindo-se, por conseguinte, um agravamento dos direitos fundamentais do processado.
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