Revista da EMERJ - V. 22 - N.3 - Setembro/Dezembro - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 203-240, Setembro-Dezembro. 2020 224 categoria que funcionalmente está ligada às circunstâncias ou às condições que justificam a imputação normativa. O princípio da proximidade 28 da prova ou princípio da referibilidade da prova, segundo Adolfo di Majo 29 , encarrega, à parte processual, de com- provar o que está na sua esfera de controle objetivo. Nesse sentido, o importante é convencer e demonstrar, ao juiz, que o conjunto de fatos coloca o sujeito processual na categoria jurídica de consumidor, sendo que os vínculos fáticos daí advindos não são elaborados por um processo mental 30 complexo e subjeti- vo, antes são consequências legais, portanto, elas decorrem de uma derivabilidade presuntiva posta – não meramente suposta – pela norma jurídica. O tipo presuntivo se antecipa ao processo mental do juiz, à medida que o legislador já levou em conta as conexões que normalmente acontecem entre os fatos que ensejam a categoriza- ção do sujeito como um consumidor e as respectivas ocorrências em termos de mercado de consumo ( quod plerumque accidit ). O legislador previne conexões fáticas, ficando a descober- to soluções valorativas mais econômicas que jurídicas (o caso do dano). O que interessa para o standard do convencimento, portanto, é a prova do fato no conjunto de conexões imputati- vas que ele encerra. 28 Taruffo critica o critério da proximidade para a distribuição do ônus da prova, quando alerta que essa modalidade poderia ser epistemologicamente válida, porém, poderia levar a excessos. Para o autor, é mais aconselhável adotar um critério de sanções ( disclosure ) em que cada parte deveria produzir todas as provas que tivesse disponibilidade. Uma simples verdade , op. cit. , p. 267. Aqualidade linguística do texto escrito por Michele Taruffo e a paixão com que ele defende a dimensão epistêmica do processo são, evidentemente, conquistadores. De qualquer maneira, um leitor brasileiro deve considerar, no mínimo, algumas particu- laridades. A jurisdição brasileira é diferente da italiana e, sobretudo, é diferente da jurisdição dos países mais evoluídos da Europa – a Alemanha e a Inglaterra. Além disso, qualquer dose de prática, nos tribunais brasileiros, é suficiente para constatar que uma vitória sem razão é mais comemorada que uma razão sem vitória. Um modelo processual fundamentado na boa-fé e na cooperação é louvável, sempre, e as normas devem impor esse estado ideal de coisas, isso está no art. 10 do NCPC. No entanto, um realismo mode- rado sopesa a implicação normativo-ideal no confronto com a cultura da desigualdade brasileira, prin- cipalmente, no interior desse país-continente, porque, aqui, são necessárias soluções socorristas em que, possivelmente, um imperativo processual epistêmico fundado na confiança acabaria perdendo espaço. O Estado-juiz deve prestar cooperação às partes, isso não se discute, mas normas rígidas de disclosure , que se estruturam por deveres interpartes , não necessariamente assimilarão uma dimensão epistêmica ao processo brasileiro. Antes, elas poderão produzir baixas colaterais em termos de aplicabilidade e alargamento do tempo no processo. O brasileiro não tem muito tempo, ele é pobre, ele trabalha demais, ele ganha pouco, ele deposita muita esperança em uma solução célere do processo civil de resultado. 29 O autor utiliza a denominação princípio da “vicinanza” ou da “riferibilità”. DI MAJO, Adolfo. Le tutele contrattuali . Torino: Giappichelli, 2009, p. 259. 30 Barbora Moreira, As presunções, op. cit. , p. 57.
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