Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91 - 150, Maio-Agosto. 2020 97 Aomesmo tempo, a expressão pressupõe umavanço grada- tivo de relevância das Constituições. Estas, de um ponto de vista estrutural, não só passam a ocupar o ápice da ordem jurídica e, de um ponto de vista normativo, a ser reconhecidas como docu- mentos dotados de imperatividade, como se tornam os reposi- tórios das principais aspirações da comunidade e de uma série de programas que pretendem condicionar a atuação dos poderes constituídos. Especificamente em relação a esse último traço, o robustecimento temático das Constituições inclui não apenas um farto catálogo de direitos, o estabelecimento de estados de coisas a serem realizados pelos seus destinatários e uma pluralidade de valores fundamentais, mas também temas típicos de direito privado. Além disso, entre outros aspectos, as ambições consti- tucionais textualmente apreensíveis se tornam referências para o desenvolvimento de teorias e construções dogmáticas (especial- mente no âmbito dos direitos fundamentais) capazes de permitir a irradiação dos comandos (ou valores) constitucionais por ou- tras áreas do direito. Juntos, ambos os movimentos de perda de importância do Código Civil e de consolidação do protagonismo constitucional moldaram um cenário em que a leitura do direito civil a partir da Constituição por juristas e tomadores de decisão se torna um fato facilmente constatável em diversos países. 12 1.2 O direito civil constitucional como teoria normativa Do ponto de vista normativo , o direito civil constitucional pode ser compreendido como uma proposta teórica que preten- de justificar a preferência por um modelo em que a teorização e a aplicação do direito civil devem passar necessariamente pelo filtro da Constituição. Tomando sempre o caso brasileiro como 12 Não se pode negligenciar que nem sempre os processos históricos que levaram à afirmação de movimentos de conformidade constitucional do direito civil são os mesmos. Se no caso brasileiro o problema factual que impulsionou o avanço do direito civil constitucional foi o descompasso entre o Código de 1916, marcadamente de inspiração liberal , e os compromissos sociais da Constituição federal de 1988, no caso italiano, como ressalta Perlingieri, o problema a ser superado era o de tensão entre um Códi- go Civil de 1942, inspirado em uma lógica produtivista , baseada no interesse do legislador de “potencializar o Estado, aumentar a produtividade, fazendo do produtivismo a característica precípua do ordenamento” – como aponta o autor – e uma Constituição alicerçada sobre o respeito aos direitos fundamentais da pes- soa humana. V. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucio- nal. Trad. Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 4.
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